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Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 10 Jan 12
Idalina Monteiro Barreto
(S. Vicente, 17.01.1916 - Praia, 10.01.2012)
Homenagem Especial a uma Mãe de muitos filhos, sem que nenhum deles fosse seu biologicamente
Por Monteiro Fortes & Brito-Semedo, Ex-Seminaristas
Ela não atrai no primeiro contato. Sua postura discreta, de fala pouca e mansa, jeito matreiro, é mais de quem investiga de que quem se expõe. Seus olhos pretos, emoldurados por tez morena, são perscrutadores cuidadosos.
A ninguém permite confiança além da necessária, com refinado dom de colocar o interlocutor à distância desejada.
A singeleza de seu caráter e a integridade de seus princípios sempre foram transparentes aos que se relacionaram com ela. Sua autoridade serena nunca conflitou com suas boas maneiras.
Foto Álbum de D. Idalina Barreto
Seminaristas Mário Lima, Manuel Ramos, Samuel Barros (afilhado) e J. Monteiro Fortes
Sustentou polêmicas com equilíbrio de boa inteligência emocional. Quando a discussão esquentava ou os problemas assumiam dimensões incomuns, seu equilíbrio e sorriso permaneciam inalterados.
O perfil ideal de uma executiva – diriam head-hunters modernos. Melhor que isso: perfil perfeito para Mãe de dezenas de filhos, de todas as idades, várias gerações, múltiplas formações.
Estamos falando de IDALINA BARRETO.
A distinta Governanta do Seminário Nazareno de Cabo Verde, de Janeiro de 1960 a Agosto de 1995. Com invejável habilidade relacional, deixava a todos os “filhos dela” o convencimento de que gostava de cada um em particular. Jamais se percebeu qualquer gesto de favoritismo. Sua integridade de caráter não lhe permitia tal deslize.
Admirados com seu talento de liderança, sua personalidade e destemor, ganhou o apelido de Golda Meir, destemida primeira-ministra israelense à época, que costumava intitular-se “único homem do gabinete”. Dona Idalina não perdia em seu rádio transistor portátil o noticiário nacional e internacional e estava sempre pronta para discutir qualquer questão.
Foto Álbum de D. Idalina Barreto
D. Idalina Barreto com D. Isménia Heenan, junto à entrada do Lar dos Estudantes do Seminário
Em meio a desafios e responsabilidades sabia encontrar tempo para manter amizades e sair à noite para relaxar. Tinha intuição clara da importância de se divertir. E quando nós, com preocupação filial, chamávamos sua atenção por sair tarde da noite sozinha, com sorriso e humor irreverentes respondia:“Para quê alguém iria querer atacar uma velha”.
– J. Monteiro Fortes, S. Paulo, Brasil
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Conheci a D. Idalina Barreto de longe quando, regressado da Praia, comecei a frequentar a Escola Dominical. Tinha eu 13 anos e andava na classe dos “Estafetas”, tendo passado depois para a dos “Herdeiros da Coroa”. Sempre fui irrequieto, muito irrequieto mesmo, e activo na Igreja do Nazareno do Mindelo, pelo que não lhe terei passado despercebido nesses anos da minha adolescência e juventude.
Só entrei, de facto, no círculo da convivência da D. Idalina Barreto já no Seminário Nazareno, nos idos de 1972. Mesmo assim, ela mantinha uma postura de distância, austeridade e rigor, “para não dar confiança aos safardanas (sic)”. Tempos depois, percebi que isso era uma máscara que escondia um coração de manteiga. Não muito depois, conquistada a confiança e o respeito, ela já entrava nas nossas brincadeiras, tendo-nos inclusive, apoiado na adopção de um cãozinho que foi abandonado à nossa porta ao qual pusemos o nome de “Leão”, tendo-lhe ela acrescentado os apelidos: “Brito Maia Gomes”, transformando assim um vira-latas num “aristocão”.
Penso que foi devido a uma circunstância da minha vida familiar que levou a Lina a me adoptar, como terá feito com tantos outros que lhe passaram pelas suas mãos e que conseguiam arrancar-lhe dos olhos algumas “lágrimas teimosas”, dizia ela, no Dia da Formatura.
Invoco a nossa convivência nos três anos passados no Seminário, com ensinamentos, incluindo o comportamento à mesa, e conselhos de “mulher que já tinha visto muita coisa”. Graças ao seu regime, apurou-se-me o espírito de poupança, desenvolvendo o hábito de não deixar as luzes acesas quando não são precisas, fechar as torneiras para poupar a água e outras coisas mais. Só não pratico na minha casa a norma de não repetir a sobremesa, por ser demasiado guloso.
Foto Álbum de D. Idalina Barreto
D. Idalina Barreto com os Seminaristas M. Brito-Semedo, Jorge Maia Lopes e Manuel Sança Gomes (1973)
Pela vida fora, com muitos desvios no meu percurso profissional, o que me levou a viver no exterior por vários anos, a nossa amizade foi crescendo, procurando a Lina sempre se informar dos meus progressos. Em Janeiro de 2001, numa das suas vindas à Praia, fui visitar a Lina a casa dos Compadres D. Zita e Sr. Napoleão Santos, e fiquei emocionado com a sua manifestação de carinho e interesse. A Lina fez questão de me dizer que eu constava da sua lista de oração e que guardava uma fotografia minha que, na falta de melhor, ela tinha recortado da Epístola. Tratei de lhe oferecer uma boa, estando eu formal e sério, de fato e gravata, que confirmei encontrar-se no seu álbum de fotos.
Permitam-me invocar só mais um fragmento da minha vivência com a Lina, esta, de Julho de 2005.
Encontrei-me com a Lina na Rua Andrade Corvo e, como era perto do meio-dia e eu tinha ainda de passar por uma loja, disse-lhe que lhe dava tempo de chegar a casa e ia lá cumprimentá-la. Dito e feito. No momento em que me aproximava da casa do Sr. Napoleão Santos, vi a Lina a chegar e chamei-a. Aproximei-me, cumprimentei-a mais uma vez e apresentei a minha mulher. Aí ela exclamou: “Eu já estava a ver quem era essa mulher que trazias contigo!”, pensando ela, talvez, que fosse alguma piquena. Sem se desarmar, ela acrescentou: “É que eu só a vi uma única vez, e foi há muito tempo!... E ela está cada vez mais bonita!”
Dias antes, o Ulisses Santos, o Lalitcha do Sr. Napoleão, esse maroto que se atrasou a nascer porque a Lina queria que fosse no mesmo dia que ela, cometera a mesma gaffe, só que com uma saída menos brilhante.
Daqui a mais cinco anos, pelo centésimo aniversário da Lina, espero ter mais fragmentos da nossa vivência para evocar. Lina, parabéns, e obrigado pela sua estima!
“Que o olvido, esse ingrato esquecimento, não apague a memória” e que por largos tempos tenhamos ainda a D. IDALINA BARRETO e com muita saúde!
– M. Brito-Semedo, Praia, Cabo Verde
Mornas "Mãe Querida", do conjunto 'Os Tubarões' (aqui) e "Seis one na Tarrafal", interpretado por Humbertona (aqui).
Prezados Sr. José Fortes e Brito Semedo (lá se foi o Sr.): que bonita homenagem! Este gesto não me surpreende pelo afecto que sei tinham pela Ninha e ela por vós. Confesso, no entanto, que apesar de saber disso fiquei muito emocionado. Para além do mais, a via utilizada permitiu a muita gente amiga e/ou apenas conhecida saber um pouco mais da Ninha, uma mulher de fibra, de educação espartana, mas profundamente humana e carinhosa. Lembro-me que era com ansiedade que os meus irmãos e eu aguardávamos a chegada dela, após um ano de labuta no Seminário, para connosco passar as férias na Praia, distribuindo prendas para todos, principalmente os drops ingleses vendidos pela JBC, degustados por nós avidamente. Também recordo-me do martírio que era sentar à mesa nos dias em que o almoço era peixe para de lá levantarmos só depois de o termos devidamente saboreado (?), sempre com a ameaçadora presença do “Salazar” (cinto do nosso pai que ela pedia por empréstimo naqueles momentos). É que, para ela, que conviveu com duas fomes em Cabo Verde, esse tipo de caprichos - de escolher o que comer - não era tolerável.
Embora haja lições a retirar de todo o percurso dela, um episódio marcou-me. Um dia, éramos nós crianças, a Ninha viu o Calú todo embevecido por um triciclo pilotado por um amigo. Naqueles tempos um triciclo era caro e era um ou outro que se vendia nas lojas. A Ninha ficou comovida. Tendo ela regressa ao trabalho em S. Vicente, em poucos dias chegou uma prenda para o Calú. Nada mais nada menos que um triciclo muito bonito. Para mim dos mais bonitos que tinha visto. Vim a saber, já na velhice dela, que levou um ano a pagá-lo em prestações.
Poderia ficar aqui a contar mil e um episódios, cada um mais marcante que o outro. E sei que vocês terão muitos também. Ela se foi, mas ficam as marcas de uma mulher de princípios, que apesar da figura austera que aparentava tinha um coração de ouro. Sodadi di bo Ninha. Ulisses/Lalitcha
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Um belíssimo texto este da senhora Sónia Jardim. T...
Interessante que isto me lembra um estória de quel...
Muito obrigado, m descobri hoje e m aprende txeu!!...
Caro Brito
Acabei de ler a postagem em homenagem à Dona Idalina e estou aqui me deliciando com a morna dos Tubarões.
Inevitável não lembrar na nossa própria mãe e tantas outras que DEUS colocou em nosso caminho para nos abençoar. Me lembrei também de uma morna antiga, ao que me contaram o compositor estava preso no Tarrafal quando soube da notícia da morte da mãe: "Mi sais anu na Tarafal/Sem podê salva nha mai"...
Acho que fizemos bom trabalho. Teria ficado melhor se tivéssemos tempo para unificar o texto. Espero que Dona Idalina possa sentir a sinceridade desta homenagem.
Seria bom se outros seminaristas se manifestassem e pudessem mandar fotos para integrar-se ao que nos propusemos fazer.
Obrigado pelo teu estímulo e perfeita coordenação.
Com amizade e admiração,