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A propósito da recente apresentação do livro abaixo, em Mindelo, cidade do Porto Grande, onde muitos ingleses se instalaram por cerca de 120 anos, pela sua situação de entreposto marítimo, o que fez com que o crioulo absorvesse palavras anglófonas.

 

Alôu[1]!

Espero que estejam todos fine[2], neste fim-de-tarde, hora do five-o’clock-tea[3] acompanhado de uns scones[4] barrados com um pouco de jam[5]!

 

Alegra-me saber que, ao invés disso, preferiram vir confraternizar com a amiga e colega Maria Santos Trigueiros na apresentação do seu livro, acto este que, ao que tudo indica, é d’tiofe[6], pelo que vão ficar com nhongra[7]!

 

Chiiiiiiu!!! Biquaite[8]!!!

 

Comportem-se!!!

 

Como boizin[9] de SonCente – presumo que este facto de pertença terá tido um peso determinante na escolha da minha pessoa para apresentador – é claro que não podia deixar passar esta tchança[10], de dar um pulo a esta minha ilha-natal, aonde não vinha há long time ago[11], para matar saudades. Esta é também uma oportunidade para fazer alguma actualização e reciclagem, designadamente, passear pela marginal de uma das mais lindas baías do mundo, conhecer a Pont d’Água, revisitar a Drogaria de Djandjan, de novo loja de cheiro e de perfumes, descobrir a Galeria Zero Point Art e a Boutique de Chocolate Orley e, claro, reencontrar amigos de diazá. Assim, peguei no meu vélice[12], meti umas poucas coisas lá dentro – uma escova de dentes, uma pasta colgate e pouco mais – e vim fulespide[13].

 

Lucáute[14], para não tra-m godéme[15] no fim desta apresentação, declaro desde já que o meu bisnize[16] não é ensino/aprendizagem da língua inglesa. Neste campo jogo em ofeçáite[17]. Deste modo, esta apresentação não me é isi[18], já que o meu djobe[19] é outro, a etno-história. Contudo, para não me mostrar lofa[20] de todo, vou evitar o atrevimento de ir por aquele caminho, que é para isso que está cá um co-apresentador, pessoa de todos conhecida como a mais capacitada para abordar esse aspecto, que vou deixar em stân-bai[21]. Fico eu, portanto, pela problemática da história do ensino e pelo contributo deste livro para a História da Educação no Arquipélago.

 

Depois de jogar com palavras do nosso crioulo de outrora, melhor, do nosso “crioulo-inglês-da-ponta-de-praia”, devido à influência da presença dos british[22] nesta ilha do Porto Grande, com umas boas centenas deles e delas, por cerca de 140 anos, e de outros que, entretanto, por cá passaram, vou streitoei[23] ao assunto que me trouxe cá, a ver se dou conta do recado.

 

Como nota prévia ao seu trabalho, a autora explica as razões objectivas e subjectivas da sua decisão e escolha pelo estudo de caso de S. Vicente no ensino/aprendizagem da língua inglesa: (i) por ser o berço do ensino secundário laico em Cabo Verde; (ii) por ter sido o único liceu da província entre 1917 e 1960, portanto, com um amplo poder na formação intelectual das elites das ilhas; (iii) pela influência que os britânicos residentes em S. Vicente tiveram na aprendizagem da língua inglesa, numa situação onde a língua nacional era/é o cabo-verdiano e a oficial e da escolaridade, o português; e (iv) por ser docente da língua inglesa nesta ilha por cerca de trinta anos, facto esse que a terá marcado de forma particular.

 

Na sequência lógica do processo de construção da sua dissertação, agora em forma de livro, a autora cria uma base de referência sobre o ensino em Cabo Verde, para depois se centrar em S. Vicente, a ilha e o caso de estudo. Para isso, socorre-se de trabalhos, os mais recentes e os de conhecidos investigadores e estudiosos cabo-verdianos como H. Teixeira de Sousa [1992], Francisco Lopes da Silva (Chiquinho Lopes da Silva) [1992], João Lopes Filho [1996],  João Nobre de Oliveira [1998], Manuel Ramos (Sr. Néna) [2003], Manuel Brito-Semedo [2006] e Adriana de Sousa Carvalho [2007].

 

Permitam-me que destaque, nesse processo de criação e manutenção do liceu em S. Vicente, uma figura singular, o Senador Augusto Vera-Cruz (Sal, 1862-1933) – na criação e instalação do Liceu Nacional de Cabo Verde, em 1917 (depois, em 1926, Liceu Central Infante D. Henrique) – e uma figura colectiva, o povo do Mindelo – na luta pela sua reabertura, vinte anos depois, agora com a designação de Liceu Gil Eanes. Em rápidas pinceladas, a situação foi a seguinte:

 

No primeiro caso, estava Augusto Vera-Cruz no seu segundo mandato como Senador da República por Cabo Verde junto do Parlamento Português quando surgiu a polémica questão do encerramento do Seminário-Liceu de S. Nicolau (1886-1917). O Senador acabou por conseguir que a publicação da Lei que extinguia esse Seminário-Liceu criasse simultaneamente o Liceu Nacional de Cabo Verde e, depois de duras batalhas, a sua transferência para funcionar em S. Vicente. Havendo o problema da sua instalação nesta ilha por falta de um edifício, o Senador Vera-Cruz cedeu o seu palacete na Praça Nova, onde residia, passando ali a funcionar o Liceu por 3 anos, até à sua instalação definitiva no antigo Quartel do Corpo da Polícia (o edifício por todos conhecido hoje como Liceu Velho).

 

O segundo caso deu-se quando, na noite de 28 de Outubro de 1937, a Rádio Colonial Portuguesa anunciou que tinha sido publicado nesse dia um decreto que extinguia o Liceu Central Infante D. Henrique. Em poucos minutos, S. Vicente ficou a conhecer essa notícia e Cabo Verde ficou de luto, chegando o jornal Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962) a sair no dia 1 de Novembro, véspera do dia de finados, com uma tarjeta negra e em grandes parangonas a frase ”Cabo Verde de Luto!”.

 

Na sequência, a Câmara Municipal reuniu-se em sessão extraordinária e decidiu expedir um telegrama ao Governador da Colónia solicitando empregar “todo seu valimento telegraficamente Lisbôa sentido manutenção liceu aspiração máxima cerca 160.000 habitantes”, e desenvolveu-se uma cruzada para salvar o Liceu, que envolveu a Associação Industrial, Comercial e Agrícola de Barlavento, a Associação de Pais, a União Nacional, professores e alunos, população de todas as categorias.

 

Face a esta grande e intensa movimentação, apenas doze dias após o seu encerramento, isto é, a 9 de Novembro, chegou a notícia de que o Ministro do Ultramar havia comunicado que o liceu iria reabrir as aulas imediatamente. Nas palavras do Notícias de Cabo Verde, “raras vezes, ou nunca, a nossa cidade vibrou, num regosijo tão geral e expontâneo [...] os foguetes estralejavam no espaço. O som festivo dos sinos confundia-se com o das sereias dos vapores surtos no porto, e em todos os mastros – dos edifícios do Estado, da Camara, do Banco Ultramarino, etc. – foi içada a bandeira nacional, manifestação a que gentilmente se associaram os consulados, as companhias estrangeiras, a Western Telegraph e a Italcable”.

 

Mindelo, segundo o escritor Manuel Lopes (1959:9), “veio ao mundo sobre as quilhas da navegação internacional, nasceu, por assim dizer, cosmopolita, porque nasceu parasita do porto, e até hoje sempre dependeu dele”. Isto e a forte presença dos ingleses na ilha, nos mais diversos sectores de actividade económica, da área do shipping, da telegrafia e do comércio em geral, foram determinantes na formação dos hábitos e costumes do homem sanvicentino, moldando-o. Ao mesmo tempo que o influencia e desenvolve nele a necessidade e a apetência por tudo quanto representa o Outro, enquanto modelo de progresso e desenvolvimento, com destaque para o british.

 

O escritor Teixeira de Sousa, no seu romance Capitão-de-Mar-e-Terra, publicado em 1984, cujo pano de fundo da estória se situa nos anos 30 e 40 do século passado, criou uma personagem, Walter – necessariamente um nome inglês, no original “uolta” – que, a páginas tantas e apesar da origem do seu nome, ironiza essa mania de se copiar tudo dos ingleses, dizendo o seguinte:

 

“Os Ingleses puseram aqui o seu padrão de vida, que toda a gente adoptou para se guindar socialmente. Desde o gim ao tabaco amarelo, ao críquete, ao smoking, ao golfe, ao footing, há todo um conjunto de hábitos e preferências que o Mindelense superestima por provir do Reino Unido. Até se caga à inglesa, em latas com areia no fundo e areia ao lado” (1984:166) – Com respeito pela palavra!

 

São sobre estes aspectos que o trabalho de Maria Trigueiros se fundamenta para explicar a aprendizagem informal, em ambiente propício e quase natural, da língua inglesa, ou dos seus rudimentos, por uma larga faixa da população, havendo, contudo, “muitos mindelenses que dominavam razoavelmente a língua, quer no falar, quer no escrever”, a fazer fé em Mário Matos, em Contos e Factos (2000:16).

 

Numa abordagem histórica e diacrónica, a autora recupera a componente da experiência cabo-verdiana da emigração para os Estados Unidos para explicar, primeiro, essa necessidade da aprendizagem informal da língua inglesa e, de seguida, falar do seu ensino formal. Neste aspecto, refere-se aos planos curriculares – tomando como marco inicial a criação do Liceu Nacional de Cabo Verde, na Praia, em 1860, ou seja, há 150 anos – e bem assim às metodologias e aos materiais didácticos utilizados, com uma breve alusão ao ensino no pós-independência.

 

Já caminhando quiquí[24] para o fim da minha apresentação, e antes que o Presidente da Biblioteca Nacional me dê uma scrépa[25] pelo abuso do tempo, debito mais uma nota, desta vez sobre o contributo deste livro para a História da Educação em Cabo Verde.

 

Um país novo como Cabo Verde – celebramos agora os 35 anos da independência nacional – tem um grande desafio, que é o de escrever a sua História, e isso começa a ser feito de forma institucional. Haja vista os três volumes da História Geral de Cabo Verde e a contribuição de estudos parcelares de épocas ou de factos, com teses de doutoramento e dissertações de mestrado, defendidas de há uns anos a esta parte e publicadas em livro, com a vantagem de trazerem uma visão de dentro. Neste quadro, a História da Educação tem merecido alguma atenção e este trabalho sobre o Ensino/Aprendizagem da Língua Inglesa em Cabo Verde é mais um contributo valioso para o estudo da educação em S. Vicente e para o estudo de uma disciplina estrangeira, num contexto nacional em que a língua oficial e de escolaridade é uma língua segunda.

 

Por tudo isto, está de parabéns a autora, a Professora e Mestre Maria Santos Trigueiros!

 

Manitenquse[26]! Salongue[27]! Até à vista!

 

- Manuel Brito-Semedo

 

 

Título: Ensino/Aprendizagem da Língua Inglesa em Cabo Verde

(Um Contributo para a História da Educação no Arquipélago)

Autor: Maria Santos Trigueiros
Edição: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro
Ano de edição: Praia, 2010

 

_________ 


[1] Hello! Olá.

[2] Bem.

[3] Merenda.

[4] Pãezinhos doces.

[5] Geleia.

[6] Tea-off. Sem chá, ou seja, sem comida nem bebida.

[7] Hungry, fome.

[8] Be quite! Caluda!

[9] “Boyzinho”, rapazinho.

[10] Chance, oportunidade.

[11] Há muito tempo.

[12] Valise, mala.

[13] Full speed, a toda a velocidade.

[14] Look out! Cuidado!

[15] God dam it. “Tirar a pele”, amaldiçoar.

[16] Business, assunto.

[17] Off side, fora de jogo.

[18] Easy, fácil.

[19] Job, tarefa.

[20] Loafer, azelha.

[21] Stand by, de prevenção.

[22] Britânicos.

[23] Straight away, directamente.

[24] Quickly, rapidamente

[25] Scrap, repreensão

[26] Many thanks! Muito obrigado!

[27] So long! Até à vista!

 

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28 comentários

De zito azevedo a 26.07.2011 às 22:25

De onde virá o termo "fucsin" como no meu tempo se chamava aquele bolsinho estreito no cós das calças dos homens, que dava para o relógio de bolso ou para os trocos? Há dezenas de anos que esta interrogação me persegue... 

De Brito-Semedo a 26.07.2011 às 23:13

Caro Amigo, Agora é que me tramou! Isso também quero eu saber :)! Tenho informações que saiu recentemente em Portugal, de autoria de Celeste Costa Martins, uma professora natural de S. Vicente, um livro que nos pode ajudar -- "Cabo Verde e os Anglo Americanos". Ainda não vi o livro, mas soube que se encotnra à venda na Associação Caboverdiana de Lisboa. Pode ser que descubramos lá esta e muitas outras palavras do nosso criôl de SonCent. Braça!

De Brito-Semedo a 30.07.2011 às 17:40

Da amiga e Colaboradora Judith Wahnon (USA) recebi um comentário esclareciemnto pelo Facebook , que, pela sua pertinência e novidade, passo para aqui:

Perdi a "meada" da conversa de há dias, onde se discutia a origem da palavra "fuxim", o bolsinho na parte da frente das calças. Encontrei num dictionary Ingles muitas explicações para a palavar fox, além de "raposa'. Uma delas, seria "fox-hole", “buraco feito no chão para esconderijo de um ou dos soldados contra o fogo inimigo". "Fuxim" e esconderijo de moedas, chaves, seria essa a origem? Deixo aqui para debate. Bom fim de semana! Braças! – Judith Wahnon

De Brito-Semedo a 30.07.2011 às 21:12

A Amiga Judith Wahnon (USA) voltou com o trabalho de casa feito: "Os buracos que os FOX ( raposa ) fazem para se esconderem, ou esconderem coisas. Isto foi a explicação que minha irmã Lutcha (Licinha), deu me. Ponho isto aqui em resposta à dicussão de há dias sobre a origem da palavra "fucsim", bolsinho das calças onde antigamente os homens 'escondiam' seus relógios , moedas ,etc. Faz sentido. Bom fim de semana !!!" Obrigado!

De Anónimo a 31.07.2011 às 09:34

Intrigou me tambem a palavra que o Zito Azevedo queria saber, por isso fiz a "pesquisa" Interessante ,como viram,e que no vocabulario Ingles usam a palavra Fox Hole para buracos onde soldados se escondem, e essa palavra, como o Fucsin , originou- se no Fox ( raposa)e seus esconderijos, Fox in Obrigada amigo Manuel Brito Semedo, por ter colocado aqui o resultado do que encontrei, e pela oportunidade de participar neste magnifico blog Boa semana!

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