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Esquina do tempo por Brito-Semedo © 2010 - 2015 ♦ Design de Teresa Alves
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Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 13 Mai 10
A propósito da recente apresentação do livro abaixo, em Mindelo, cidade do Porto Grande, onde muitos ingleses se instalaram por cerca de 120 anos, pela sua situação de entreposto marítimo, o que fez com que o crioulo absorvesse palavras anglófonas.
Alôu[1]!
Espero que estejam todos fine[2], neste fim-de-tarde, hora do five-o’clock-tea[3] acompanhado de uns scones[4] barrados com um pouco de jam[5]!
Alegra-me saber que, ao invés disso, preferiram vir confraternizar com a amiga e colega Maria Santos Trigueiros na apresentação do seu livro, acto este que, ao que tudo indica, é d’tiofe[6], pelo que vão ficar com nhongra[7]!
Chiiiiiiu!!! Biquaite[8]!!!
Comportem-se!!!
Como boizin[9] de SonCente – presumo que este facto de pertença terá tido um peso determinante na escolha da minha pessoa para apresentador – é claro que não podia deixar passar esta tchança[10], de dar um pulo a esta minha ilha-natal, aonde não vinha há long time ago[11], para matar saudades. Esta é também uma oportunidade para fazer alguma actualização e reciclagem, designadamente, passear pela marginal de uma das mais lindas baías do mundo, conhecer a Pont d’Água, revisitar a Drogaria de Djandjan, de novo loja de cheiro e de perfumes, descobrir a Galeria Zero Point Art e a Boutique de Chocolate Orley e, claro, reencontrar amigos de diazá. Assim, peguei no meu vélice[12], meti umas poucas coisas lá dentro – uma escova de dentes, uma pasta colgate e pouco mais – e vim fulespide[13].
Lucáute[14], para não tra-m godéme[15] no fim desta apresentação, declaro desde já que o meu bisnize[16] não é ensino/aprendizagem da língua inglesa. Neste campo jogo em ofeçáite[17]. Deste modo, esta apresentação não me é isi[18], já que o meu djobe[19] é outro, a etno-história. Contudo, para não me mostrar lofa[20] de todo, vou evitar o atrevimento de ir por aquele caminho, que é para isso que está cá um co-apresentador, pessoa de todos conhecida como a mais capacitada para abordar esse aspecto, que vou deixar em stân-bai[21]. Fico eu, portanto, pela problemática da história do ensino e pelo contributo deste livro para a História da Educação no Arquipélago.
Depois de jogar com palavras do nosso crioulo de outrora, melhor, do nosso “crioulo-inglês-da-ponta-de-praia”, devido à influência da presença dos british[22] nesta ilha do Porto Grande, com umas boas centenas deles e delas, por cerca de 140 anos, e de outros que, entretanto, por cá passaram, vou streitoei[23] ao assunto que me trouxe cá, a ver se dou conta do recado.
Como nota prévia ao seu trabalho, a autora explica as razões objectivas e subjectivas da sua decisão e escolha pelo estudo de caso de S. Vicente no ensino/aprendizagem da língua inglesa: (i) por ser o berço do ensino secundário laico em Cabo Verde; (ii) por ter sido o único liceu da província entre 1917 e 1960, portanto, com um amplo poder na formação intelectual das elites das ilhas; (iii) pela influência que os britânicos residentes em S. Vicente tiveram na aprendizagem da língua inglesa, numa situação onde a língua nacional era/é o cabo-verdiano e a oficial e da escolaridade, o português; e (iv) por ser docente da língua inglesa nesta ilha por cerca de trinta anos, facto esse que a terá marcado de forma particular.
Na sequência lógica do processo de construção da sua dissertação, agora em forma de livro, a autora cria uma base de referência sobre o ensino em Cabo Verde, para depois se centrar em S. Vicente, a ilha e o caso de estudo. Para isso, socorre-se de trabalhos, os mais recentes e os de conhecidos investigadores e estudiosos cabo-verdianos como H. Teixeira de Sousa [1992], Francisco Lopes da Silva (Chiquinho Lopes da Silva) [1992], João Lopes Filho [1996], João Nobre de Oliveira [1998], Manuel Ramos (Sr. Néna) [2003], Manuel Brito-Semedo [2006] e Adriana de Sousa Carvalho [2007].
Permitam-me que destaque, nesse processo de criação e manutenção do liceu em S. Vicente, uma figura singular, o Senador Augusto Vera-Cruz (Sal, 1862-1933) – na criação e instalação do Liceu Nacional de Cabo Verde, em 1917 (depois, em 1926, Liceu Central Infante D. Henrique) – e uma figura colectiva, o povo do Mindelo – na luta pela sua reabertura, vinte anos depois, agora com a designação de Liceu Gil Eanes. Em rápidas pinceladas, a situação foi a seguinte:
No primeiro caso, estava Augusto Vera-Cruz no seu segundo mandato como Senador da República por Cabo Verde junto do Parlamento Português quando surgiu a polémica questão do encerramento do Seminário-Liceu de S. Nicolau (1886-1917). O Senador acabou por conseguir que a publicação da Lei que extinguia esse Seminário-Liceu criasse simultaneamente o Liceu Nacional de Cabo Verde e, depois de duras batalhas, a sua transferência para funcionar em S. Vicente. Havendo o problema da sua instalação nesta ilha por falta de um edifício, o Senador Vera-Cruz cedeu o seu palacete na Praça Nova, onde residia, passando ali a funcionar o Liceu por 3 anos, até à sua instalação definitiva no antigo Quartel do Corpo da Polícia (o edifício por todos conhecido hoje como Liceu Velho).
O segundo caso deu-se quando, na noite de 28 de Outubro de 1937, a Rádio Colonial Portuguesa anunciou que tinha sido publicado nesse dia um decreto que extinguia o Liceu Central Infante D. Henrique. Em poucos minutos, S. Vicente ficou a conhecer essa notícia e Cabo Verde ficou de luto, chegando o jornal Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962) a sair no dia 1 de Novembro, véspera do dia de finados, com uma tarjeta negra e em grandes parangonas a frase ”Cabo Verde de Luto!”.
Na sequência, a Câmara Municipal reuniu-se em sessão extraordinária e decidiu expedir um telegrama ao Governador da Colónia solicitando empregar “todo seu valimento telegraficamente Lisbôa sentido manutenção liceu aspiração máxima cerca 160.000 habitantes”, e desenvolveu-se uma cruzada para salvar o Liceu, que envolveu a Associação Industrial, Comercial e Agrícola de Barlavento, a Associação de Pais, a União Nacional, professores e alunos, população de todas as categorias.
Face a esta grande e intensa movimentação, apenas doze dias após o seu encerramento, isto é, a 9 de Novembro, chegou a notícia de que o Ministro do Ultramar havia comunicado que o liceu iria reabrir as aulas imediatamente. Nas palavras do Notícias de Cabo Verde, “raras vezes, ou nunca, a nossa cidade vibrou, num regosijo tão geral e expontâneo [...] os foguetes estralejavam no espaço. O som festivo dos sinos confundia-se com o das sereias dos vapores surtos no porto, e em todos os mastros – dos edifícios do Estado, da Camara, do Banco Ultramarino, etc. – foi içada a bandeira nacional, manifestação a que gentilmente se associaram os consulados, as companhias estrangeiras, a Western Telegraph e a Italcable”.
Mindelo, segundo o escritor Manuel Lopes (1959:9), “veio ao mundo sobre as quilhas da navegação internacional, nasceu, por assim dizer, cosmopolita, porque nasceu parasita do porto, e até hoje sempre dependeu dele”. Isto e a forte presença dos ingleses na ilha, nos mais diversos sectores de actividade económica, da área do shipping, da telegrafia e do comércio em geral, foram determinantes na formação dos hábitos e costumes do homem sanvicentino, moldando-o. Ao mesmo tempo que o influencia e desenvolve nele a necessidade e a apetência por tudo quanto representa o Outro, enquanto modelo de progresso e desenvolvimento, com destaque para o british.
O escritor Teixeira de Sousa, no seu romance Capitão-de-Mar-e-Terra, publicado em 1984, cujo pano de fundo da estória se situa nos anos 30 e 40 do século passado, criou uma personagem, Walter – necessariamente um nome inglês, no original “uolta” – que, a páginas tantas e apesar da origem do seu nome, ironiza essa mania de se copiar tudo dos ingleses, dizendo o seguinte:
“Os Ingleses puseram aqui o seu padrão de vida, que toda a gente adoptou para se guindar socialmente. Desde o gim ao tabaco amarelo, ao críquete, ao smoking, ao golfe, ao footing, há todo um conjunto de hábitos e preferências que o Mindelense superestima por provir do Reino Unido. Até se caga à inglesa, em latas com areia no fundo e areia ao lado” (1984:166) – Com respeito pela palavra!
São sobre estes aspectos que o trabalho de Maria Trigueiros se fundamenta para explicar a aprendizagem informal, em ambiente propício e quase natural, da língua inglesa, ou dos seus rudimentos, por uma larga faixa da população, havendo, contudo, “muitos mindelenses que dominavam razoavelmente a língua, quer no falar, quer no escrever”, a fazer fé em Mário Matos, em Contos e Factos (2000:16).
Numa abordagem histórica e diacrónica, a autora recupera a componente da experiência cabo-verdiana da emigração para os Estados Unidos para explicar, primeiro, essa necessidade da aprendizagem informal da língua inglesa e, de seguida, falar do seu ensino formal. Neste aspecto, refere-se aos planos curriculares – tomando como marco inicial a criação do Liceu Nacional de Cabo Verde, na Praia, em 1860, ou seja, há 150 anos – e bem assim às metodologias e aos materiais didácticos utilizados, com uma breve alusão ao ensino no pós-independência.
Já caminhando quiquí[24] para o fim da minha apresentação, e antes que o Presidente da Biblioteca Nacional me dê uma scrépa[25] pelo abuso do tempo, debito mais uma nota, desta vez sobre o contributo deste livro para a História da Educação em Cabo Verde.
Um país novo como Cabo Verde – celebramos agora os 35 anos da independência nacional – tem um grande desafio, que é o de escrever a sua História, e isso começa a ser feito de forma institucional. Haja vista os três volumes da História Geral de Cabo Verde e a contribuição de estudos parcelares de épocas ou de factos, com teses de doutoramento e dissertações de mestrado, defendidas de há uns anos a esta parte e publicadas em livro, com a vantagem de trazerem uma visão de dentro. Neste quadro, a História da Educação tem merecido alguma atenção e este trabalho sobre o Ensino/Aprendizagem da Língua Inglesa em Cabo Verde é mais um contributo valioso para o estudo da educação em S. Vicente e para o estudo de uma disciplina estrangeira, num contexto nacional em que a língua oficial e de escolaridade é uma língua segunda.
Por tudo isto, está de parabéns a autora, a Professora e Mestre Maria Santos Trigueiros!
Manitenquse[26]! Salongue[27]! Até à vista!
- Manuel Brito-Semedo
Título: Ensino/Aprendizagem da Língua Inglesa em Cabo Verde
(Um Contributo para a História da Educação no Arquipélago)
Autor: Maria Santos Trigueiros
Edição: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro
Ano de edição: Praia, 2010
_________
[1] Hello! Olá.
[2] Bem.
[3] Merenda.
[4] Pãezinhos doces.
[5] Geleia.
[6] Tea-off. Sem chá, ou seja, sem comida nem bebida.
[7] Hungry, fome.
[8] Be quite! Caluda!
[9] “Boyzinho”, rapazinho.
[10] Chance, oportunidade.
[11] Há muito tempo.
[12] Valise, mala.
[13] Full speed, a toda a velocidade.
[14] Look out! Cuidado!
[15] God dam it. “Tirar a pele”, amaldiçoar.
[16] Business, assunto.
[17] Off side, fora de jogo.
[18] Easy, fácil.
[19] Job, tarefa.
[20] Loafer, azelha.
[21] Stand by, de prevenção.
[22] Britânicos.
[23] Straight away, directamente.
[24] Quickly, rapidamente
[25] Scrap, repreensão
[26] Many thanks! Muito obrigado!
[27] So long! Até à vista!
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Um belíssimo texto este da senhora Sónia Jardim. T...
Interessante que isto me lembra um estória de quel...
Muito obrigado, m descobri hoje e m aprende txeu!!...
O livro é maravilhoso para quem ama o ensino da língua e nos transporta ao tempo de Soncent D'outrora que muitos teimam em esquecer.
Bracinha de sodade