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Marginal.jpeg

Foto Arquivo Histórico Nacional (IAHN), Praia

 

 

 

Já m’ fui mnine d’ nha luta

e  d’ nha caláca;

d’ nha bisca e d’ nha batota 

na CORÊ ô na CRACA 

 

Já m’ andá ta vendê;

tâ catá; 

tâ juntá páia; 

tâ rocegá carvôm;

 

tâ frá da lí ma da lá;

tâ dormi n’ arêa,

traz dum cambota

ô na pedra de tchôm.

 

Já m’ andá embarcóde

d’ foguêr;

d’ crióde;

d’ cuznhêr; 

bem bstide, bem calçode,

t’ oiá munde, tâ juntá dnhêr…

 

E já m’ bâ e já m’ bem;

já m’ torná bá e torná bem;

e alí’ m lí, de pê na tchôm,

sem um vintém, sem um tstôm,

tâ crê torná bá…

ma pa torná bem...

 

– Sérgio Frusoni

in A Poética de Sérgio Frusoni, Uma Leitura Antropológica

 

 

Frusoni.jpeg

Foto gentilmente cedida pelo filho Fernando Frusoni

 

Sérgio Bonucci Frusoni

 

(S. Vicente, 10 de Agosto de 1901 – 25 de Maio de 1975)

 

 

 

 

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13 comentários

De João Sá a 08.08.2011 às 07:07


Renovo votos de bom dia e boa semana, agora para informar que o blog está em destaque na homepage dos Blogs do SAPO Cabo Verde (http://blogs.sapo.cv/)

De Valdemar Pereira a 08.08.2011 às 11:14

Lembranças indeléveis do senhor Sérgio e saudades do nosso Fortim.
Se tudo desaparecer como um como outro, não vamos a lado nenhum. 
Para engrandecermos a terra precisamos de respeito e de fraternidade.
Se não acordarmos resta-nos so dizer "Cabo Verde um tempe era sabe"

De zito azevedo a 08.08.2011 às 14:28

Apesar da diferença de idades, Sérgio e eu tratávamo-nos por "tu"...Um dia, disse-me: "Sabes que há no Fogo um professor que vem há anos a preparar um dicionário de criôl?"...
Eu não sabia, claro mas, muitos anos mais tarde ouvi dizer que o senhor tinha, finalmente, levado a sua tarefa a bom termo. Chama-se (ou chamava-se), Napoleão Bonaparte (?)...Alguém me dá noticias do professor e da sua obra?

De Valdemar Pereira a 08.08.2011 às 15:18

Quem responde, normalmente, é o dono do blog mas, o Brito Semedo dá licença para te dar a informação que pedes. O livro é o "Léxico do dialecto crioulo do Arquipélago de Cabo Verde", de Armando Napoleão Rodrigues Fernandes que nasceu na Brava (1/7/1889 - 19/6/1969). - Quem tratou da edição póstuma é a filha Ivone Fernandes Ramos, viúva do Nena. E' um livro muito interessante onde não figura a letra K.

Jà sabes tudo. Podes ir a essa Farmàcia sem ser obrigado a comprar "dôs mil e quinhente de vitamina"
Mantenha
Valdemar

(i) Uma estôria autêntica que contarei um dia.

De Brito-Semedo a 08.08.2011 às 15:44


Caro Amigo, A nossa resposta ter-se-á cruzado no ciberespaço, mas o seu vinha a caminho quando aminha estava a ser digitada, hihihi!!! Obrigado!

De zito azevedo a 08.08.2011 às 18:56

Obrigado, Valdemar...É menos uma branca na memória e um incentivo para sair à busca do Léxico...Thank you, brother!

De Brito-Semedo a 08.08.2011 às 15:31

Deve estar a referir-se a Armando Napoleão Rodrigues (Brava, 1889 - Santiago, 1969), pai da escritora Orlanda Amarílis e Ivone Ramos (esposa do Sr. Néna de Farmácia). Segundo José Nobre de Olivceira , in "A Imprensa Cabo-verdiana , 1820-1975", escreveu, fruto de cerca de quarenta anos de pesquisas, um manuscrito que foi publicado postumamente com o título: 'O Dialecto Crioulo - Léxico do Dialecto Crioulo do Arquipélago de Cabo Verde', Ed. de Ivone Ramos, 1990".
Armando Napoleão Fernandas é hoje nome do segundo Liceu de Santa Catarina, concelho onde ele se estabeleceu dedicando-se à vida agrária e comércio. Um abraço!

De zito azevedo a 08.08.2011 às 20:37

Obrigado, meu caro: já tenho mais informação do que a que alguma vez pensei vir a dispor...Ainda bem que o amigo Napoleão a quem, no programa Revista Sonora que tive na Rádio Barlavento desejei, então, que não lhe estivesse reservado nenhum Waterloo, como ao seu homónimo corso, conseguiu levar a sua carta a Garcia...Um abraço!

De Adriano Miranda Lima a 08.08.2011 às 15:45


Para comentar este poema do nosso vate, gostaria de poder inserir aqui um texto que sobre ele escrevi no ano passado e foi publicado, creio, no Liberal. Mas, como estou fora de casa, a apanhar sol numa praia algarvia, não dispondo assim dos meus arquivos, tal não me é possível.


Assim, só me resta pegar no curto mas eloquente comentário de Valdemar Pereira e subscrevê-lo também, com permissão do seu autor. O Valdemar sente a presença do poeta na imagem que nos é oferecida (vista lateral da baía do Porto Grande), mas simultaneamente pressente angustiosamente a sua ausência na ruína consentida do património Fortim e de outros mais. Deixar morrer lentamente as nossas memórias é como perder as luzes dos archotes que nos iluminam o caminho do futuro, e este não se consegue vislumbrar sem conservarmos no espírito as peugadas que vamos deixando pelo caminho. Elas definem a direcção, vinda de  uma bússola interior imprescindível para quem quer sonhar e ousar. Sem isso, é a escuridão total, pois se nada fica visível tudo perde sentido.

De Adriano Miranda Lima a 08.08.2011 às 16:07

Depois de enviar o meu comentário, em que lamentava não poder recuperar um texto que escrevi sobre o Sérgio Frusoni, eis que se me fez luz no espírito ao lembrar-me de que o ciberespaço opera autênticos milagres. Assim, fiz uma busca e apanhei o texto encostado a uma qualquer “esquina do tempo”. Por isso, aqui está ele. Apenas não insiro as fotos que o ilustravam, para não dificultar o trabalho técnico.


ELOS PRECIOSOS DO TEMPO DAS NOSSAS VIDAS

Adolescente ainda, ao cair da noite na cidade de Mindelo, via-o frequentemente em amena cavaqueira com um grupo de amigos, junto à esquina da antiga Alfândega. À luz entremeada entre o lusco-fusco e o candeeiro ainda meio incandescente, aquele grupo parecia-me algo irreal e suscitava-me natural curiosidade, perguntando-me às vezes sobre que temas versava o diálogo adulto daqueles cidadãos. Mas a minha atenção recaía em especial naquele homem que habitualmente envergava um boné de tons claros a condizer com a indumentária. Sabia que se chamava Sérgio Frusoni, um ser reformulado no ADN da cidade de Mindelo, numa daquelas simbioses naturais que são raras e enigmáticas, dispensando-nos de tentar perceber como pode um italiano tornar-se tão ou mais mindelense que os filhos naturais da terra. No seu próprio dizer poético, ele considerava-se:

PRESENTAÇON(1)

Um fidje de Soncente.
Nascide, criode, lá na ponta d' Praia.
Lá ondê que mar ta sparajá deboxe de bôte,
moda barra dum saia.
Czê qu’un crê? Cantá nha terra!
Companhal na sê dor;
na nobreza d' sê alma;
na pobreza d' sê vida!

“Um fidje de Soncente” que conferiu dignidade poética ao crioulo da sua ilha, celebrando a alegria e a mofineza da alma do “seu” povo ou chorando a dor das suas penas. A mundividência poética e existencial de Sérgio Frusoni coincide principalmente com a história do Mindelo da primeira metade do século XX, mas entorna a memória de tempos anteriores, com reminiscência da antiga abastança quando navios carvoeiros fundeavam na nossa Baía e a alegria era esfuziante na rua da Canecadinha, onde “Mané Jom tava engordá gote na gemada” (2).
Lembro-me da avidez com que eu ouvia o seu programa “Mosaico Mindelense” emitido pela Rádio Barlavento. A voz inconfundível e o tom pausado com que lia divertidos contos e monólogos tornavam imperdíveis aquelas noites, que se transformavam em momentos de reencontro com um imaginário que só um poeta talentoso era capaz de recriar com extraordinária verosimilhança psico-sociológica. A voz de Sérgio Frusoni invadia os lares e ecoava pelos cantos de Mindelo por onde o poeta espalhava retalhos da sua alma que depois recolhia reciclados por uma mágica permuta com a cidade.
Também no teatro o poeta interveio, primeiro, como autor de textos notáveis, e, mais tarde, como dirigente e encenador do Grupo de Teatro do Castilho. A sua obra “Cuscujada”, a primeira opereta em crioulo, e o seu “Vangêle Contod d'nôs Moda”, tradução da versão latina do Novo Testamento de Bartolomeo Rossetti para crioulo de São Vicente, atestam a criativa originalidade deste poeta e a consagração que fez do crioulo da sua ilha.

Continua…

De Adriano Miranda Lima a 08.08.2011 às 16:20

Continuação…

Frusoni pega na linguagem verbal do seu povo, modela-a com o seu cinzel mas não precisa de a transfigurar com grandes recursos formais para lhe insuflar a alma e a personalidade dos seres que observa e perscruta nas ruas da cidade. Os seus poemas, contos e monólogos continham a matriz genética de uma poesia que era naturalmente decantada pelo seu olhar e pelo seu coração de mindelense. Porque não era vão o sentimento que nutria pela sua terra:

NHA TERRA (3)

Nha terra que já parcê’m otrora
Grande moda un continent
Ca ê más agora
Do que esse cantim
Perdid nesse mar profund:
Sanvicent
Ma li qu’un nascê
Li qu’un criá
Esse mar, esse cêu, ma esse tchom
Ê que moldá nha carne e lumiá nha vida
Li qu’un ta morrê
E un continuá ta vivê
Na cor desse mar
Na luz desse cêu
Na boca dum piquêna qualquer
Ta namorá sê cretcheu

Mas o tempo passa e a memória ou se purifica ou se dilui, conforme se conservam ou não os elos entre a terra e os seus signos, conforme a bitola com que a gratidão rege a distância entre a memória e o esquecimento. Quem, como eu e tantos ausentes nessa imensa diáspora, regressa às suas raízes vai na crença de que os poetas antigos permanecem vivos, entes sagrados protegidos por dedicadas vestais. Regressar a S. Vicente é, para mim, esperar encontrar Sérgio Frusoni no olhar de uma crioula, no surdo marulhar das ondas na Ponta de Praia, na sirene nostálgica de um navio ancorado no porto ou na luz pálida de um astro pairando sobre a Praça Estrela.

Continua…

De adriano Miranda Lima a 08.08.2011 às 16:24

Conclusão…

Quando, em 2002, regressei a S. Vicente, foi-me mostrado o estado de ruína em que se encontrava a casa em que viveu e foi sua propriedade até a vender por ocasião da sua transferência para Portugal. A pessoa que me acompanhava estava convencida de que as autoridades autárquicas velariam para que a habitação se mantivesse inalterável, em memória do poeta. E eu admiti que sim, na ingénua esperança de que a memória do poeta mereceria o seu restauro e a ostentação de uma placa a lembrá-lo para a posteridade. Afinal, estava em causa o poeta que encarnou de forma inigualável a alma do povo do Mindelo e o primeiro a dar larga expressão às virtualidades poéticas do crioulo da ilha.
Há poucos dias, interpretando mal uma notícia do Fernando Frusoni, filho do poeta, inserida no Blogue cultura-adriana.blogspot.com, e convencendo-me de que se mantinha em stand-by uma resolução sobre a Casa, comentei da seguinte maneira:
“O facto de a Casa não ter sido descaracterizada, ampliada em 2 pisos ou com as tais horríveis gaiolas-marquises, pode ter sido por acção da Câmara, que, a ser assim, terá imposto restrições ao novo proprietário. Mas, se não foi, pode ter sido então por um assomo de consciência cívica do proprietário, que logo se apercebeu de que a conservação da traça da Casa era um factor de valorização memorialística, de que, ele, um simples munícipe, até poderá vir a colher dividendos no futuro, se não materiais pelo menos morais, por ser confortante a sensação espiritual de viver onde viveu um vate sem igual no panorama da nossa literatura, um Grande Cabo-Verdiano, do mais puro e genuíno, apesar da sua origem estrangeira.”
Mas, instantes depois, o Fernando comunicava-me que, não senhor, a Casa fora demolida, certamente para dar lugar a uma outra habitação, mostrando-me a respectiva fotografia ilustrativa.
Perante o vazio criado por obra de caterpillar, fiquei sem fôlego, incrédulo, e só me ocorreu este desabafo íntimo: ISTO NÃO TEM PERDÃO! E não tem mesmo perdão tanta falta de gratidão, tanta ausência de sensibilidade cultural que alguns responsáveis pela governação autárquica vêm denunciando. Na minha desolação, lembrei-me então destes versos do poema:

PRACINHA (4)

Igreja
Câmara
Rua da Luz
Camim de cemitério
Um sino e um pontero de reloje
Ta marcá hora d’entrada
E hora de saída
Na camim de nôs vida…

Pois parece que quiseram marcar um caminho sem regresso a um poeta que nunca sairá do coração dos mindelenses por mais que dobre a finados o sino da Igreja ou por mais que o ponteiro do relógio da Câmara rode em direcção ao tempo.

Notas:
(1) Poema Presentaçon de Sérgio Frusoni
(2) Poema “Tempe de Caniquinha”, de Sérgio Frusoni, mais conhecido como “Un vez Soncent era sabe”
(3) Poema “Nha Terra” de Sérgio Frusoni
(4) Poema Pracinha de Sérgio Frusoni





De Brito-Semedo a 08.08.2011 às 19:46

Obrigado, Amigo, por congregar aqui este seu texto sobre Sérgio Frusoni . É o "Na Esquina" no seu melhor, graças aos colaboradores e leitores que tem conquistado! Um abraço!

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