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Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 8 Ago 11
Foto Arquivo Histórico Nacional (IAHN), Praia
Já m’ fui mnine d’ nha luta
e d’ nha caláca;
d’ nha bisca e d’ nha batota
na CORÊ ô na CRACA
Já m’ andá ta vendê;
tâ catá;
tâ juntá páia;
tâ rocegá carvôm;
tâ frá da lí ma da lá;
tâ dormi n’ arêa,
traz dum cambota
ô na pedra de tchôm.
Já m’ andá embarcóde
d’ foguêr;
d’ crióde;
d’ cuznhêr;
bem bstide, bem calçode,
t’ oiá munde, tâ juntá dnhêr…
E já m’ bâ e já m’ bem;
já m’ torná bá e torná bem;
e alí’ m lí, de pê na tchôm,
sem um vintém, sem um tstôm,
tâ crê torná bá…
ma pa torná bem...
– Sérgio Frusoni
in A Poética de Sérgio Frusoni, Uma Leitura Antropológica
Sérgio Bonucci Frusoni
(S. Vicente, 10 de Agosto de 1901 – 25 de Maio de 1975)
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Olá Brito Semedo. Também apresento m/condolências ...
Bom dia,Apraz-me realçar que li, atentamente, o te...
Boa-noite. Que eu saiba, as crónicas do Nhô Djunga...
ELOS PRECIOSOS DO TEMPO DAS NOSSAS VIDAS
Adolescente ainda, ao cair da noite na cidade de Mindelo, via-o frequentemente em amena cavaqueira com um grupo de amigos, junto à esquina da antiga Alfândega. À luz entremeada entre o lusco-fusco e o candeeiro ainda meio incandescente, aquele grupo parecia-me algo irreal e suscitava-me natural curiosidade, perguntando-me às vezes sobre que temas versava o diálogo adulto daqueles cidadãos. Mas a minha atenção recaía em especial naquele homem que habitualmente envergava um boné de tons claros a condizer com a indumentária. Sabia que se chamava Sérgio Frusoni, um ser reformulado no ADN da cidade de Mindelo, numa daquelas simbioses naturais que são raras e enigmáticas, dispensando-nos de tentar perceber como pode um italiano tornar-se tão ou mais mindelense que os filhos naturais da terra. No seu próprio dizer poético, ele considerava-se:
PRESENTAÇON(1)
Um fidje de Soncente.
Nascide, criode, lá na ponta d' Praia.
Lá ondê que mar ta sparajá deboxe de bôte,
moda barra dum saia.
Czê qu’un crê? Cantá nha terra!
Companhal na sê dor;
na nobreza d' sê alma;
na pobreza d' sê vida!
“Um fidje de Soncente” que conferiu dignidade poética ao crioulo da sua ilha, celebrando a alegria e a mofineza da alma do “seu” povo ou chorando a dor das suas penas. A mundividência poética e existencial de Sérgio Frusoni coincide principalmente com a história do Mindelo da primeira metade do século XX, mas entorna a memória de tempos anteriores, com reminiscência da antiga abastança quando navios carvoeiros fundeavam na nossa Baía e a alegria era esfuziante na rua da Canecadinha, onde “Mané Jom tava engordá gote na gemada” (2).
Lembro-me da avidez com que eu ouvia o seu programa “Mosaico Mindelense” emitido pela Rádio Barlavento. A voz inconfundível e o tom pausado com que lia divertidos contos e monólogos tornavam imperdíveis aquelas noites, que se transformavam em momentos de reencontro com um imaginário que só um poeta talentoso era capaz de recriar com extraordinária verosimilhança psico-sociológica. A voz de Sérgio Frusoni invadia os lares e ecoava pelos cantos de Mindelo por onde o poeta espalhava retalhos da sua alma que depois recolhia reciclados por uma mágica permuta com a cidade.
Também no teatro o poeta interveio, primeiro, como autor de textos notáveis, e, mais tarde, como dirigente e encenador do Grupo de Teatro do Castilho. A sua obra “Cuscujada”, a primeira opereta em crioulo, e o seu “Vangêle Contod d'nôs Moda”, tradução da versão latina do Novo Testamento de Bartolomeo Rossetti para crioulo de São Vicente, atestam a criativa originalidade deste poeta e a consagração que fez do crioulo da sua ilha.
Continua…