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Esquina do tempo por Brito-Semedo © 2010 - 2015 ♦ Design de Teresa Alves
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Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 25 Jul 10
Por Manuel Faustino, Psiquiatra
Na Esquina do Tempo – Crónicas de Diazá é um assumir de aspectos importantes da construção da personalidade do autor que, ao procurar situar o diálogo consigo mesmo num dado espaço e num tempo determinados, confere a esse processo uma dimensão que claramente ultrapassa essa perspectiva intimista para se tornar num pedaço muito vivo da “Geração do Madeiral” e não só.
A vivência do afecto, ou melhor, o modo como ele se inscreve na memória de Brito-Semedo é, sem dúvida, a linha de força do texto, não apenas devido à sua presença constante explicitada ou intuída, quando fala bem das pessoas ou nas raras vezes em que se contém para não falar muito mal, mas também quando se debruça sobre cada pedaço da sua rua, do seu largo, da cidade da sua m´nineza E também do Mindelo de hoje, como autêntico M`nin de Soncent.
O estilo escolhido pelo autor coaduna-se perfeitamente com a relação que procura estabelecer com o tempo e o espaço em períodos marcantes para a estruturação da sua personalidade. A sua bela escrita, ricamente temperada por uma soberba e elegante utilização do crioulo, é fotográfica. A fotografia fixa um espaço num tempo determinado, ainda que não estáticos. Apesar da importância quase transcendental que ele (e praticamente todos os seus contemporâneos) atribui ao cinema na sua juventude, as imagens do livro, com a excelente ilustração de Tchalê Figueira, são muito mais fotográficas do que cinematográficas.
Apenas uma linguagem fotográfica permite captar um ritmo necessariamente lento (comparativamente aos ritmos de hoje) de recriação e revelação de pormenores a partir de vestígios escondidos numa intimidade mnémica adubada por uma profunda afectividade, herdada da personagem luz, Mãi Liza.
Os espaços que adquirem vida própria (e que vão da pontinha ao largo, à rua, à cidade, à Terra-Longe, ao cinema) e que, pela pena de Brito, sem se despojarem da sua materialidade, passam também a ser parte das relações humanas que acontecem e da cultura que entranha a alma, dificilmente poderiam ser tão bem revelados sem uma abordagem que considero, fotográfica. Mas a fotografia é tão real, o entrelaçar de pessoas e situações é tão concreto, a proximidade e intimidade tais, que às vezes temos a sensação de que é necessário desviarmo-nos para não nos esbarrarmos num dos personagens.
Apenas a excelente fotografia permite que a lentidão do ritmo, a riqueza de detalhes, possam ser apreendidas na sua profundidade, tacteadas, manipuladas, esmiuçadas e revistas, para contemplar outros espaços e personagens, imaginar um tempo diferente, ainda que próximo. O texto acaba tendo o sabor do manusear de um álbum de fotografias ou da contemplação de uma sequência de slides que se pode parar a qualquer momento, diferentemente do filme que tem, na velocidade, aspectos importantes da sua essência.
Este aspecto não estará muito distante da forma como o próprio cinema era vivenciado pelo autor e seus pares. Na verdade o cinema, elemento essencial para a ampliação do exíguo espaço real e virtual em que ele e os companheiros se moviam, não se confinava ao espaço físico onde os filmes eram exibidos e ao qual a maior parte não tinha acesso. Os filmes eram vistos por um ou outro e depois recriados (socializados) para o grupo e reinventados por todos. Ainda que na recriação, até o sonoro e os movimentos estivessem presentes, os “espectadores” tinham direito a pedir para parar, para repetir, como se da reconstrução de uma fotografia imaginária se tratasse.
De entre as figuras imponentes, que no fundo dão corpo a personagens presentes nos “tempo e espaços” do Brito e em outros tempos e espaços similares, sobressai do álbum a Mãi Liza que marcou de modo muito particular o autor, assumindo pela sua presença constante, carácter firme aliado a um afecto experimentado como incondicional e à função de “homem da casa”, o papel da grande referência para ele.
A avó materna, figura central do trabalho e grande homenageada, emerge como a mulher, esteio da família em gerações diferentes, que teve de assumir as irmãs aquando da morte dos pais, as consequências dos desaires amorosos da filha para além do seu próprio desaire, situação muito comum na nossa terra.
A mãe Xanda que viveu a dramática situação de uma gravidez tumultuada encontrou na Mãi Liza o porto de abrigo, o que seguramente contribuiu para ter um papel menos proeminente no percurso do Brito.
O autor, que teve “duas mães”, viveu a infância e a juventude em ambiente marcadamente feminino, capitaneado pela avó materna que provavelmente terá contribuído muito para o aguçar da sua sensibilidade artística.
Os homens estão presentes na obra, mas de forma muito discreta. Talvez a ausência (ou melhor a não presença) do pai e o facto da avó materna ter de alguma forma assumido também o papel de pai, expliquem essa realidade.
As referências ao tio Lalela, figura por quem nutre inegável simpatia, ao Pa Lela, de quem gostava muito, apesar de ter trocado a sua tia-avó por outra mulher, o esforço aparente que faz para não falar muito mal do pai, não alteram essa percepção. Contudo, Brito-Semedo não se coibiu de imortalizar uma das suas referências masculinas, Nho Viriss, numa linda… Fotografia oval.
Praia, Julho de 2009
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Um belíssimo texto este da senhora Sónia Jardim. T...
Interessante que isto me lembra um estória de quel...
Muito obrigado, m descobri hoje e m aprende txeu!!...
Emilia Brito