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Esquina do tempo por Brito-Semedo © 2010 - 2015 ♦ Design de Teresa Alves
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Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 1 Abr 12
Casa de esquina onde nasci, Chã de Cemitério, Mindelo. Foto Maria Catela, 2010
“A memória nostálgica dos lugares encantatórios […], a vila da infância. Dessa infância, donde vêm as imagens e as emoções que norteiam a vida. Toda a vida: não há flecha que não tenha o arco da infânica” - Manuel Alegre, in Alma, 1995
O parto, ocorrido na casa da Chã de Cemitério, na cama da Nha Liza, foi muito difícil e trabalhoso – só viria a acontecer muito tarde da noite, eventualmente de madrugada, depois de muito trabalho – porque o menino era muito gordinho e preguiçoso e a mãe, inexperiente, não ajudava muito.
A Nha Júlia, nossa vizinha e minha parteira, contava-me este último episódio vezes sem conta, dizendo naquele seu jeito maroto, que eu tinha “maltratado” muito a Xanda e que, até ela (Nha Júlia) morrer, eu não lhe poderia pagar pela canseira que teve comigo. É que ela ficou com o pescoço intriço[1] por quinze dias, pela forma como a Xanda a agarrou durante as contrações e na hora da expulsão da criança!
Sempre fui uma criança muito agitada, com “bicho-carpinteiro no corpo” como diziam, e a Xanda relacionava isso com o facto de eu ter nascido nas vésperas da festa de Santa Cruz (1.º de Maio), na Salamansa, dia de muita trupida[2], do tocar-tambor, do colar[3] e de muita confusão, seguida das festas juninas de Santo António e São João, na Ribeira de Julião, e de São Pedro, em São Pedro.
Nha Joninha de Nha Néné d' Virisse, Mindelo. Foto Maria Catela, 2010
Anos mais tarde, contou-me a filha do Nhô Virisse, a Nha Joninha, colega da minha mãe e minha madrinha de registo, juntamente com o irmão Casimiro, que, nesse tempo, eu acordava muito cedo e saía logo para a rua, nuzinho, a comer um pão inteiro, pois dizia que não o queria “sem tampa”, ou seja, sem tirar nenhum pedacinho.
Como eu era muito gordinho – louvar-a-Deus, esconjurava a Mãi Liza, que me achava bonito assim – o Nhô Virisse divertia-se em espirrar-me água fria para me ver correr, assim rechonchudinho, o que eu fazia com a dificuldade das minhas perninhas roliças (verdade, eu era um tchuquin!).
Volta e meia, Nhô Virisse dizia a frase que a Nha Joninha me tem repetido ao longo dos anos, sempre com grande orgulho e muito apreço: – Escrevam o que eu digo: Êss m’nine ta dá gente![4]
– N´ê ke k’el m’nine dá gente[5]?! – diz-me ela, hoje, toda sorridente.
"Como é bom fazer anos! Ter velas acesas e força ainda para as apagar. Eu, que dos anos perdi a conta, em vez de velas preferia estrelas. Pudesse tê-las sobre o bolo, coloridas e acesas sempre! O Destino, porém, que nos deu o fogo e o dom de o acender, de ano a ano nos oferta velas, mas quer que as apaguemos" - Arménio Vieira, in O Poema, A Viagem, O Sonho, Lisboa, Caminho, 2009
in Na Esquina do Tempo – Crónicas de Diazá, Praia, 2009
[2]Movimento de muita gente.
[3]Cantar ou falar em voz alta.
[4]Este menino vai dar gente (vai ser alguém na vida)!.
[5] E não é que aquele menino se fez gente?!
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Um belíssimo texto este da senhora Sónia Jardim. T...
Interessante que isto me lembra um estória de quel...
Muito obrigado, m descobri hoje e m aprende txeu!!...
Mas tudo acabou por bem e o vaticinio do velho Nhô Virisse (pai do meu compadre Olavo) foi certo: "o menino deu gente gente", para o nosso orgulho.
Parabéns, Manuel, pelo dia de hoje e que este dia se repita por muitos anos e bons.
Valdemar