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Post 1.000.º na "Esquina do Tempo"

Brito-Semedo, 29 Jun 12

 

Parece incrível, mas é verdade! O Na Esquina do Tempo, criado a 15 de Fevereiro de 2010, para divulgar as Crónicas de Diazá (Praia, 2009),  acaba de editar, dois anos e quatro meses depois, o seu post n.º 1.000! Para celebrar este número redondo, o Na Esquina reedita aquele que foi o seu post n.º 1, "As Esquinas das Estórias".

 

Recordo que, a 18 de Outubro de 2011, no Dia Nacional da Cultura, em homenagem ao seu patrono, Eugénio Tavares, o Na Esquina passou a ser "Magazine Cultural Online", com edição diária. Desta data até agora, já registou 56.204 visitas, vindas dos mais diversos países, tais como Estados Unidos da América, Brasil, Argentina, México, Portugal, França, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Noruega, Suécia, Espanha, Itália, China, Rússia, Singapura, Tunísia, Senegal, Angola, Moçambique, África do Sul, Etiópia, Kowait e, claro, Cabo Verde, com 115.141 vizualizações de página. O meu muito obrigado aos leitores!

 

O maior piropo que o blogue já teve foi o recebido por estes dias de uma Amiga, o qual não resisto a partilhar:

 

“Só queremos que continue a gostar de alimentar a ‘Esquina do tempo’, a que deste lado gostamos de nos encostar (uns à tardinha, outros de madrugada, outros no telefone no meio de um autocarro cheio ☺”.

 

Só por isso, valeu, Trêza :-)!

 

As Esquinas das Estórias

 

Para os meninos da minha infância da Chã de Cemitério, periferia da cidade do Mindelo, ilha de S. Vicente – estou a falar dos anos sessenta – as pontinhas (esquinas ou pontas de esquina do nosso bairro) tiveram uma função importante de socialização, de iniciação na vida adulta e de transmissão de conhecimentos, sendo, portanto, suportes da nossa memória tanto colectiva como individual.

 

As nossas brincadeiras da infânica ou da meninência estavam praticamente circunscritas a dois grandes largos. Um era o Largo John Miller, que se estendia da estrada, situada entre os clubes de ténis do Castilho e do Mindelo, até à Praça da Salina (Praça Estrela). Do outro lado da estrada ficava o nosso largo, sem qualquer placa ou nome oficial, mas delimitado por duas importantes referências naturais: a pontinha de Nhô Fonse, num extremo, e a pontinha de Nha Teresa, noutro, com as nossas casas no espaço circundante.

 

 

Ao Largo John Miller íamos caçar pardais, aprender a andar de bicicleta, comprar bolachas na Padaria Jonas Wahnon e fazer recados e pequenas compras na Mercearia Lizardo, do Nhô Ventura. Contudo, era no nosso largo que passávamos a maior parte do tempo. Ali, durante o dia, jogávamos à bola, saltávamos ao eixo, fazíamos as guerras-de-cavalo e o jogo de corrida-a-pau, passávamos calaca[1] e andávamos à pancada e, à noite, reuníamo-nos para ouvir histórias contadas pelos mais velhos.

 

Era na ponta de esquina da Nha Teresa ou do Nhô Fonse, iluminada por um único poste público que dava uma luz amarelada e fraca, que, à noitinha, depois de comermos à pressa a nossa cachupa sepulkóde[2], nos reuníamos com os colegas e aprendíamos dos mais velhos, através das histórias do cinema, do maravilhoso e do fantástico. E tínhamos então gente boa a contar estórias, como Tchéta de Nhô Germano, Funhû de Nhô ‘Nton Bertôl, Lalela de Nha Liza e Lije de Nhô Fonse.

 

Outro grande contador de estórias, mas com uma predilecção sádica para nos aterrorizar com os casos das feiticeiras e das almas de outro mundo – da capotona[3], da catchorrona[4], do gongom[5], da canelinha[6] e dos maçongues[7] – era o César de Nhô Guste, aquele rapaz magricela, muito esperto, de sorriso franco e olhos arregalados, que emigrou cedo para a Terra-Longe[8] que tem “gente-gentio”, na linguagem do poeta Pedro Corsino Azevedo, que ficou por lá e de onde não voltará nunca mais.

 

O problema surgia quando éramos chamados para irmos para a cama e tínhamos de fazer o percurso de regresso a casa, com pouca luz ou às escuras, e as sombras dos montes de pedra, das charuteiras, dos tarrafes[9] e das tamareiras, abanadas pelo vento, nos faziam evocar aquelas figuras. Morríamos de medo e corríamos aos ziguezagues para as despistar, com esconjuros na boca!... Isso, sem falar ainda do facto de algumas das nossas casas, como a minha e a do André do Nhô Guste – mas este era destemido! – ficarem lá para as bandas do Cemitério de Inglês e do Cemitério Velho, ainda que desactivados há muito. O Cemitério Novo, o nosso dezoito-dois-oito pela  data em que foi construído, 1888, lá pelas bandas da Ribeira de Julião.

 

Dessas esquinas ficou-me o gosto pelas estórias, pelo desvendar de mistérios e pela busca de conhecimentos, o que havia de me levar ao estudo, à literatura e à etnologia de Cabo Verde.

 

Depois de alguns desafios e incentivos da minha mulher para sair da oralidade, decidi, finalmente, pelo registo da “colecção” das minhas histórias, daquelas que contam de mim e de um tempo cujas vivências são diferentes das de hoje, como forma de sublimar as experiências e as emoções fortes que me marcaram.

 

É, pois, sobre factos, figuras e vivências da minha infância e adolescência que me proponho, encostado a esta Esquina do Tempo, partilhar, como homenagem àquela que foi a figura marcante dessa fase da minha vida, a minha Avó, Mãi Liza (S. Vicente, 1907-2001), em memória da Silvinha, a Minha Menina Caçula[10] (Lisboa, 1987-2008), que não chegou sequer a lê-las, e em reconhecimento à Mãi Xanda (S. Vicente, 1933-2009).

 

– M. Brito-Semedo

 

 

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1 comentário

De valdemar pereira a 29.06.2012 às 14:56

Volta, Manuel, e conta-me estas vossas dibruras que não assisti, porque quando sai deixei-vos "mnine piqnim" e não conheceste os rapazes que iam brincar na esquina da casa de Nhô Hirmine. Mas isto é outro capitulo sobre o qual deves debruçar.
Mantenha e boa continuação
V/

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