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Foto Jorge Martins, 2012
 
 

Lalela, hoje, acordei de madrugadinha, com aquela sensação de frieza nos ossos que torna mais difícil a gente levantar-se... sabes?

 

Acordei... olhei para o tecto... vi aquela aranhona que diazá não sai do mesmo lugar e o arrepio foi maior. Esconjurei logo “cred, fidj, spirt santo, amém” e levantei-me ardigado, não fosse aquele homem pel’s’nal de santa cruz querer inrocar-me logo assim pl’a manhã, sem um filho d’parida ter trod’injum.

 

Abri a janela e olhei para fora. Ainda era meio escuro, alguns candeeiros alumiavam passos de gente que ia à procura de catar a vida e d’alguns parodientes que, de corpo esbodegod, penosamente regressavam das suas flestrias.

 

O galo de nh’Arcanja deu seu canto, afinadinho como todos os dias. Galo cantador e roscon aquele, e bom galador, que mantinha a capoeira em respeito.

 

Nh’Arcanja é que nos fornecia os ovos que ao domingo enfeitavam aquele prato de catchupa que mamã dava, sempre acompanhado d’um caneca de café d’chicória. Nos dias d’festa, havia sempre um postinha d’cavala frita d’véspera, com molho de escabeche frio, que dava mais um gostinho.

 

Costa assim, sol começou a levantar e fechei a janela, numa tentativa, ainda que vã, de o impedir de me apagar as memórias. É que dia claro não serve para sonhar nem acordado. Dia claro é realidade. Paciência.

 

A aranhona continua no mesmo lugar como se para ela sol não tem serventia para nada.

 

Até manhã pl’u manhãzinha.

 

Oeiras 2012-07-03

 

- Jorge Martins

 

Foto MonteCara Soncent, Praça Nova

  

Bom dia, Djô

 

Seria uma segunda-feira. O dia mal começara e vi-te a vir na Rua de Castilho, distraidamente e sem pressa, passar pela Padaria de Jonas e espreitar o quintalão de lenha por uma fresta do portão. Fiquei à tua espera e salvei-te:

 

- Bom-dia de Deus, Djô! Por aqui tão cedo? Madrugaste? Olha que ainda falta um tempão para o Liceu abrir!

 

Dirigiste-te para mim e fomos procurando uma empena de casa para nos encostarmos e conversar um pouco.

 

- Lalela, hoje, acordei de madrugadinha...

 

Encostado à esquina de Nhô Fonse, seguia atentamente a tua estória. Esse teu jeito de contar lembrava-me o Miguel de Nhô Gualdino, rapaz de mente fértil e imaginação livre.

 

Às tantas, ouviu-se ao longe a sirene da Frigorífica a anunciar a hora de entrada para a jornada de trabalho e despedimo-nos, tu retomando o teu caminho:

 

- Até manhã pl’u manhãzinha.

 

- 'Té manhã, Djô!

 

E fiquei ainda ali por mais alguns instantes a ver-te ir apressado apanhar uns colegas mais à frente, com uma tristeza profunda porque, em vez de ir para a Morada, para o trabalho, o que eu queria era poder ir para o Liceu.

 

- Nanafa, Nanafa!

 

Comecei a andar sem olhar para trás. Era a DaLuz da Nha Bidjodja que ia para o Registo Civil. Colega da minha Mãi Xanda, detestava que ela me chamasse assim, nessa minha linguagem de criança. Isso tem uma estória. Quando pequeno, ia comprar rebuçado em casa da mãe, a Nha Bidjodja, e, como ainda não sabia falar direito, eu pedia "nanafa" em vez de “ananás”, ou seja, "rebuçado de espírito (essência) de ananás".

 

Fingi que não a ouvia, mas DaLuz insistia:

 

- Nanafa, Na-na-fa, espera-me que vamos juntos para a Morada! Preciso que me faças um favor! É que sabes, o Luís vai fazer o exame do 2.º grau e preciso que tu o ajudes a preparar-se...

 

Praia, 2012-07-04

 

- Manuel Brito-Semedo

 

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5 comentários

De Brito-Semedo a 08.07.2012 às 16:41

Caro Amigo Val , É incrível como sou (somos) marcados pela infância ! De vez em quando vêm-me farrapos dessa memória. Vou procurar registá-los e partilhá-los. Um braça rija e votos de bom domingo!

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