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Na Rua de Lisboa, no Café Lisboa

Brito-Semedo, 16 Nov 13

 

Rua Lisboa.jpeg

Rua de Lisboa, Café Lisboa

 

 

- Para Manuel da Cruz Gonçalves, Tio Lalela

 

 

Neste meu regresso a Mindelo, a impressão que me fica é que a cidade está parada, que as pessoas sofrem de um sentimento de orfandade, de abandono e de perda.

 

A verdade é que S. Vicente não consegue reter os seus quadros, pois, ao longo dos anos, vem sofrendo de uma verdadeira hemorragia, saindo muitos para ir trabalhar na Praia nos Ministérios, nos Bancos, nas Alfândegas, nas Empresas, quando não vão para o estrangeiro, simplesmente porque “SonCent ca tem trabói”, explica-me um velho conhecido.

 

Existem, porém, pessoas que resistem e que teimam em ficar, diz-me outro – mas, até quando? Outras, entretanto a viver fora durante muitos anos – e enumera-me alguns nomes – mal conseguem a aposentação, regressam a S. Vicente para desfrutar da morabéza, da beléza e da moléza desta ilha.

 

Durante o dia, cruzo-me com essas pessoas na Rua de Lisboa, no Café Portugal e no Café Lisboa, na Pont d’Água, ou simplesmente as encontro na sua caminhada ao fim do dia, na marginal.

 

No sábado, estava eu no Café Lisboa em conversa amena, a “pôr boné”, que é como se diz por estas bandas, ou seja, a saber as novidades, quando chega o Albino da casa do Sr. Trinta, amigo de diazá e mais velho que eu, que me cumprimenta e procura saber de mim. Respondo às suas perguntas e explico-lhe que já não estou na Praia, que voltei e que estou a viver de novo na Chã de Cemitério, agora um pouco mais para lá e mais próximo do dezoito-dois-oito, isto é, do cemitério. Rimo-nos com a brincadeira e ele sai-se com esta:

 

- Já bô reformá?! // Já te reformaste?

 

Dou uma gargalhada e explico-lhe que estou no activo e que fui colocado em Mindelo.

 

Enquanto via o Albino seguir o seu caminho fiquei a pensar: não é esta a Mindelo que queremos para nós - uma Mindelo onde as pessoas só vêm nas férias e quando se reformam! A Mindelo que queremos é aquela onde as pessoas possam fazer a sua vida, com oportunidades e realização profissional. Não uma Mindelo que só viva de momentos pontuais de pujança ou somente das lembranças dos bons tempos de diazá.

 

A Mindelo que eu quero é aquela Mindelo doce e singela como a Menina Xanda (minha mãe), que vendia alegremente o seu cûscûs quente e que fazia os rapazinhos arregalarem os olhos quando passava, só para melhor apreciarem a sua graça.

 

A Mindelo que eu quero é como a minha Mãi Liza, altiva e elegante; bonita, asseada e aprumada; enérgica e séria quando necessário; ciosa das suas obrigações e honrada com o trabalho que faz, por mais simples que ele seja.

 

É pedir muito?!

 

Rua Lisboa.jpeg

 Rua de Lisboa, Café Portugal (esq.)

 

Mindelo, 27.Outubro.2012

 

 
 

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15 comentários

De ZITO AZEVEDO a 28.10.2012 às 10:09

Não, não é pedir muito...É, até, pedir o mínimo a que a cidade tem direito...A cidade e os cidadãos que, por seu lado, também não podem ficar à espera que tudo caia do céu, milagrosamente...Os milagres, como dizia um amigo meu, acontecem quando as pessoas, dando-se as mãos, lutam a guerra justa de realizar os seus sonhos utilizando as armas que a democracia concede à sociedade civil...Mindel, cordá!

De Joaquim ALMEIDA (Morgadinho) a 29.10.2012 às 10:04

Caro amigo Djack , Lisboeta - Mindelense, nao imaginas o prazer que me dàs em discutir contigo os assuntos relacionados com a vida movimentada desta famosa rua , Rua de Lisboa , que para o mindelense , a sua avenida de liberdade , De facto esta rua jà foi batizada , rebatizada vàrias vezes, mas o seu nome de baptismo na realidade é Rua Roberto Duarte Silva , caso poderes dar mais um pulinho a Sao Vicente , vais à esquina da rua do lado esquerdo face ao palàcio , estou certo que ainda encontraràs a placa com este nome . A primeira vez que eu vi aquela placa e por acaso, tinha eu os meus 12 anos de idade .
Aquele abraço Djack ;
Do amigo Morgadinho ;

De ZITO AZEVEDO a 29.10.2012 às 13:23

Confirmo...Se não a retiraram, a placa toponimica lá estará, na esquina da Loja de Rui Machado, que até morava no 1º andar...
Braça pâ tudo gente!
Zito

De Joaquim ALMEIDA (Morgadinho) a 29.10.2012 às 14:47

Vejo que somos da mesma geraçao e isso aumenta a minha satisfaçao nesta conversa a respeito da identidade desta famosa rua, que é rua de Lisboa ; caso tenham arrancado aplaca em questao , serias a minha (testemunha-ocular) na minha confirmaçao . Preservo comigo uma especial alegria por saber que ainda se encontram neste-mundo , pessoas que possam testemunhar os restos tradicionais do nosso Mindêlo, que teimosamente ainda se verifica encostado numa " esquina daquele tempo" !..


Obrigado pela tua " testemunhagem " ;
Morgadinho ;

De Djack a 29.10.2012 às 21:07

Muitas vezes, noite adiantada, depois de um regresso do quiosque ou do Pic-Nic na Praça Nova, eu queria passar por essa esquina para ver as construções Meccano que estavam na montra da Casa do pai do Rui Machado. Num Natal, talvez o de 64, lá apareceu uma caixa dessas no sapatinho, na madrugada do Dia de Natal. Foi uma enorme alegria. Fiz guindastes, barcos, uma data de coisas com esse brinquedo.

Aparece no Praia de Bote em www.mindelosempre.blogspot.com
Há poucos minutos coloquei lá um texto e fotos do Monte Verde, da autoria do Zeca Soares.

Braça e bons solos de trompete
Djack

De Joaquim ALMEIDA (Morgadinho) a 28.10.2012 às 11:01

Esta rua , cujo nome oficial , Rua Roberto Duarte Silva ,( sàbio quimico ) mas batizada pelo povo de Sao Vicente, Rua de Lisboa . Do lado direito da fotografia encontrava-se o 1° café ali instalado, em 1947, que era o Café Royal , " que Deus haja " onde eu animei musicalmente o seu ambiente durante 2 anos - de 1954 a 1956 - tendo-me mais tarde por motivos que a vida nos reserva , ter de partir muito embora querer ficar . Também nunca me esquecerei as boas partidas de damas jogadas no Café Portugal (esq.) cujo adversàrio - e espero que êle esteja a lembrar também- , senâo Zito Azevedo !...
Aquele abraço Zito ;
Do amigo Morgadinho !..

De ZITO AZEVEDO a 28.10.2012 às 16:13

Morgadin, meu valho e bom amigo, velho e bom como o melhor Vinho do Porto, ou o melhor grog de Sintanton, quanta saudade...Damas na Café Portugal é coisa que nenhum cristão poderia esquecer, nem dos pastelin de pêxe de Faninha, malaguetode, sabe pa bsú...Naquêl tempe nôs era feliz ma nô câ sabia! 
Braça pertode...
Zito

De Valdemar Pereira a 28.10.2012 às 11:37



Ê certo que quando a Mindelo era "más piqnim", tinha mais calor, todos se conheciam, tinha respeito e tinha vapor. Tinha gente de fora e também os meninos com caracteristicas próprias.
O Pais cresceu, os costumes se adulteraram e de Soncente a politica esqueceu. Roubaram-lhe o que tinha e não lhe deram o que deviam, mas uma coisa nunca desaparece porque ninguém esquece da Morabeza.
E a Morabeza só engrandece com o valor dos seus filhos.
Um braça pa tude gente, de dentre e de fora.
Valdemar

De Anónimo a 28.10.2012 às 17:42

http://www.nosgenti.com/?p=637

De Brito-Semedo a 28.10.2012 às 17:55

É verdade, Amiga, S. Vicente tem tudo para dar certo - http://www.nosgenti.com/?p=637 - “… e então, porque é que ainda não deu?...”Engº. Leonildo Monteiro no Fórum de 4 de Novembro de 2011, no Centro Cultural do Mindelo. - http://www.asemana.publ.cv/spip.php?article69933
Braça e votos de bom domingo!

De Djack a 28.10.2012 às 18:48

Se a Rua de Praia é o coração do Mindelo, como costumo dizer, a Rua de Lisboa é o seu cérebro. Acontece com ela o estranho fenómeno que é nunca ninguém lhe chamar os topónimos que sucessivamente lhe vão sendo impostos e perdurar o de Rua de Lisboa. O mesmo aconteceu com a lisboeta Praça do Comércio, para sempre Terreiro do Paço, e com outra da capital portuguesa, Praça Sá Carneiro, para sempre do Areeiro.

 

Que eu saiba, a Rua de Lisboa já se chamou de “D. Carlos” e “Libertadores de África”, pelo menos. Mas ninguém quer saber do Rei assassinado nem dos tais libertadores. Lisboa é que é e o resto são cantigas. Diz o Morgadinho que agora é de “Roberto Duarte Silva”. Muito embora pese o prestígio e importância do antigo e esforçado deputado por Cabo Verde em Lisboa, também não me parece que a coisa pegue. E nós, mindelenses, que andamos sempre de costas para o pessoal da Praia, lembremo-nos de que lá existe uma Avenida Cidade de Lisboa e no platô ainda lá estão muitos nomes de diazá como Andrade Corvo, Serpa Pinto, Cândido dos Reis e Machado dos Santos, convivendo e muito bem com a Avenida Amílcar Cabral. História é história, tradição é tradição… até porque por muitos locais de Portugal há ruas alusivas a Cabo Verde e a alguns dos seus filhos. E porque os filhos de Cabo Verde e Portugal estão condenados a serem amigos e a honrarem a história comum.


Braça lisboeto-mindelense,

Djack

De ZITO AZEVEDO a 28.10.2012 às 20:01

Meu caro,
Como já assinalei no meu Arroz (já provou o arroz de lapas?), a nossa Rua de Lisboa, antes da Independencia, chamava-se de Roberto Duarte Siilva, tenho a certeza absoluta. O Google-Earth indica o  nome de Libertadores de Africa para a mesma artéria...Uma definição "definitiva" urge!
ZITO.

De José F Lopes a 28.10.2012 às 21:22


Amigos
Por incrível que pareça Mindelo reflecte a realidade socioeconómica de Cabo Verde, pelo que a situação actual da nossa cidade  dá um panorama pouco animador do país, não obstante a pujância da capital e as estísticas positivas do país. Mindelo merece mais do que um passado  nostálgico, um futuro próspero. Mas isso só depende dos seus filhos

De Adriano Miranda Lima a 17.11.2013 às 19:37

Infelizmente, não comentei este texto quando deu à estampa  pela primeira vez.  É uma crónica que sintetiza a actual situação de S. Vicente, pondo a nu uma verdade que nos entristece ter de reconhecer e aceitar. A pasmaceira em que hoje se transformou a nossa ilha só é interrompida por castão dos eventos festivos que a notabilizam, como o Carnaval, o Mindelact, a festa de S. Silvestre e, agora, o festival da Cavala. Dir-se-á que a cidade só dá uma nota do que pode quando o povo  toma nas suas mãos  as energias festivas que lhe estäo no ADN.  Elas são úteis para o turismo e sinalizam o muito que se pode conseguir se Estado fizer o seu papel. 

De Adriano Miranda lima a 17.11.2013 às 21:44

Errata. No meu comentário, onde aparece "por castão de" devia estar "por ocasião de".

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