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Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 16 Jun 13
O Maria Sony, escuna de dois mastros, é um dos derradeiros barcos de pequeno porte da carreira de Cabo Verde. Encontramo-lo pela primeira vez em Setembro de 1959, em Fairhaven, frente a New Bedford, onde se encontrava a receber um motor de 200 cavalos. Procuravam os armadores fugir deste modo à sina dos veleiros de antanho, sujeitos aos caprichos do vento, e perpetuar uma tradição de navegação à vela, agora com auxílio de motor, que assim contornaria dificuldades meteorológicas imprevistas. Ideia romântica, afinal com os dias contados – que já eram bem outros.
O navio, propriedade de Manuel Joaquim Andrade e de seu sobrinho e sócio Cecílio Andrade, fora baptizado com o nome de uma das filhas daquele . Construído na Nova Escócia, Canadá, para a pesca da baleia, em 1911, contava na altura cerca de meio século e escalara New Bedford pela primeira vez em 1939. A carreira era anual e a carga diversificada, de roupas, víveres e outros produtos, transportando também passageiros. Desta feita, num trajecto de cerca de 40 dias, trouxera das ilhas géneros alimentícios e apenas duas mulheres, uma das quais dera à luz à passagem por Providence, em finais de Julho. Era habitual a escuna demorar-se em preparos e carregamento por meses, como também acontecia desta vez. Na torna-viagem, previa-se que levasse roupas usadas, mobiliário e brinquedos para os pobres de Cabo Verde, fruto da contribuição das colónias cabo-verdianas locais.
Dois meses depois, já com o motor posto, os 21 tripulantes do Maria Sony aprontavam-se para a partida. Cecílio Andrade aproveitava a reportagem do DN para mostrar reconhecimento com imaginação a todos que lhe tinham evidenciado a sua simpatia: «E creiam que os nossos corações levam uma grande recordação desta grande América, cujo nome definimos assim em português: “Amor” e “Riqueza”. Porque as três primeiras letras, “Ame”, representam o presente do conjuntivo do verbo “amar” e as últimas três, o adjectivo “rica”. Portanto, temos “America”». Ele e o tio agradeciam ainda a Adalberto do Rosário, presidente do “Band Club”, a José Monteiro, António Dias e a todos os compatriotas que por qualquer forma tinham demonstrado boa vontade em os auxiliar nas oportunidades em que se haviam visto em dificuldades, bem como às autoridades de Imigração de Providence e New Bedford. E havia desejo de regressar aos Estados Unidos, na Primavera seguinte, com um carregamento de feijão e milho, comestíveis caros às bocas cabo-verdianas da região. Negócios atrasaram alguns dias a partida para S. Vicente de Cabo Verde que só teve lugar a 4 de Novembro.
Mais de um mês após, o José Monteiro antes referido receberia um telegrama da Bermuda em que se noticiava que o Maria Sony ali chegara rebocado, depois de apenas ter percorrido 800 das 3000 milhas previstas. Atribuía-se a longa demora à época escolhida para a viagem, de final de ano, em que o mar estava enfurecido e por isso a progressão se tornava difícil. Uma carta de Cecílio Andrade para o DN estabelece o grau de desgraça da viagem: «A infelicidade perseguiu-nos, poucos dias depois de termos saído dessa hospitaleira cidade, e tivemos muita sorte em termos salvo as nossas vidas. O navio recebeu graves avarias, durante um grande temporal que durou 15 dias e que nos obrigou a lançar ao mar 2000 litros de combustível, quase toda a carga do convés e uma pequena parte da carga do porão, para manter o barco ao cimo de água e salvar as nossas vidas ameaçadas. Fomos rebocados para St. George, na Bermuda, pelo vapor norueguês Rio de Janeiro e pelo guarda costa americano Goose Bay, a fim de receber algumas reparações.»
Entretanto a situação ia-se agravando. A 21 de Janeiro do ano seguinte, o DN era eco de uma carta de João S. Manita, de Somerville, Mass., em que este relatava as notícias que tinha recebido através dos pastores da Igreja Evangélica Portuguesa da Bermuda, Henrique J. Santos e João Pacheco dos Santos, sobre os graves problemas do Maria Sony e sua tripulação. As más novas estavam plasmadas num recorte do jornal Royal Gazette e contavam o seguinte: os marinheiros haviam chegado à Bermuda a 13 de Dezembro, sem dinheiro e com o barco em péssimas condições de navegabilidade. Calculava-se que os custos para reparação rondariam 3 a 4000 libras e havia até quem considerasse que a velha escuna não merecia tal reparação.
Embora Manuel e Cecílio Andrade estivessem à beira da ruína, o capitão Pedro Évora recusava-se a prosseguir viagem sem que as reparações fossem concretizadas. Cecílio contava que com mulher e cinco filhos em Cabo Verde o barco era o seu único meio de subsistência e que sem ele ficaria na penúria. Mas nem tudo eram amarguras para os homens do Maria Sony. O vice-cônsul português da Bermuda, bem como o consulado português em Nova Iorque estavam atentos e a prestar o apoio possível. A Casa do Marinheiro da Bermuda forneceu-lhes o cartão que lhes permitia ter acesso gratuito aos cinemas locais. A mesma Casa e a comunidade portuguesa ofereceram roupa e alimentos que eram armazenados no Clube Vasco da Gama.
Por outro lado, o Departamento da Imigração deu consentimento de trabalho aos homens, a fim de se poderem sustentar e a Corporação de S. Jorge, a Sociedade do Porto e a Igreja de Inglaterra empregaram-nos a todos, oferecendo-lhes salários muito acima dos que ganhariam em Cabo Verde. Mas havia ainda dois problemas graves a resolver: é que durante o período em que o Maria Sony estivera nos Estados Unidos, alguns dos marinheiros haviam casado com jovens americanas e agora não desejavam regressar às ilhas, o que agravava os problemas dos Andrade. Como se isto não bastasse, previa-se que o Rio de Janeiro iria exigir pagamento pelo reboque que tinha feito durante 23 horas.
Quem no entanto punha de facto o dedo na ferida era um articulista do The Standard-Times, de New Bedford. Dizendo que o caso da escuna inspirava mais que comunicados sentimentais, analisava com frieza os factos que segundo ele tinham dado origem à tragédia: «As autoridades federais da Nova Inglaterra, que superintendem ao tráfico marítimo, disseram, particularmente, que o Maria Sony saíra deste porto em precárias condições de navegabilidade, com carga imprópria e perigosamente acondicionada, com uma tripulação insuficiente e sem o necessário equipamento de navegação e sinalização. Baseadas em observações directas e nas declarações do pessoal do Maria Sony, as autoridades federais indicaram ainda que o barco não possuía um navegador competente para uma viagem transatlântica, não tinha um maquinista qualificado nem uma casa de máquinas apetrechada e que nem as bombas do barco nem o motor se encontravam em condições.
Além disso, embora uma viagem normal leve a tal barco mais de 30 dias, o capitão disse haver, ao fim de 34 dias, extrema necessidade de alimentos e de água. As autoridades federais verificaram também que as condições sanitárias a bordo do palhabote eram insuportáveis. E de especial importância em tudo isto, é o facto de 22 pessoas terem navegado no Maria Sony e, ao tal fazerem, confiaram as suas vidas aos responsáveis pelo barco e sua operação. Pouco antes de serem levados a reboque para a Bermuda, nos princípios de Dezembro, sofrendo fome, sede e exaustação, haviam já perdido as esperanças de sobreviverem. (…)». Mais adiante, o articulista refere que devido ao facto de o barco ser de bandeira portuguesa as autoridades americanas não o tinham podido inspeccionar nem impedir a sua partida. E ia mais longe, sugerindo que os Estados Unidos da América e Portugal deveriam chegar a acordo relativamente a esse assunto, para evitar futuros desaires.
O Maria Sony quedou-se ali, por dez meses. Findo esse tempo, finalmente reparado com ajuda financeira de cabo-verdianos residentes na América, largou para Cabo Verde. De S. Vicente, em Janeiro de 1962, Cecílio Andrade, agradecia em verso, ao governador do território, toda a simpatia e apoio que lhe tinham sido oferecidos pelo seu povo. O navio jamais voltaria à América.
Bermuda, Terra Abençoada, Salvé!
I
Bermuda, tu te ergues no Meio-Oceano tão fascinante
Levanta-te do teu pedestal – pois és a mais hospedeira
Das tuas irmãs do Caraibo – e és a rainha mais empolgante,
Conhecida de todos os tempos como pioneira.
II
De San George a Somerset, os teus viajantes cosmopolitas
Cantaram por todos os cantos os teus encantos naturais,
Que se divulgaram pelo Mundo, e até aos teus pés beijaram os
[mareantes
Que sob a tua égide recebem a tua ditosa bênção, destino dos
[impiedosos vendavais.
III
E sob as tuas asas, abrigaste-me com carinho dez meses,
E, assim, Bermuda, tiraste-me da lama junto da sepultura.
Pois senti a minha alma que ressuscitou muitas vezes
Numa missão caritativa praticada para o bem do povo com bravura.
Encontraremos o Maria Sony poucos anos mais tarde, em Agosto de 1964, quando participa no salvamento de alguns náufragos do Frigorífica V que encalhara na Ponta da Baixona, no Fogo.
Barco lendário, ainda hoje motivo de saborosas conversas saudosistas entre os anciãos, o Maria Sony é mais um dos veleiros que fizeram a história trágico-marítima de Cabo Verde. Foi baleeiro, cargueiro e navio de passageiros com vela e motor e acabou ingloriamente naufragado no arquipélago que lhe rendeu devida homenagem, em morna e selo de 50$00.
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Um belíssimo texto este da senhora Sónia Jardim. T...
Interessante que isto me lembra um estória de quel...
Muito obrigado, m descobri hoje e m aprende txeu!!...
Foi a bordo deste elegante veleiro que comi a minha primeira cachupa de olho largo...