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Esquina do tempo por Brito-Semedo © 2010 - 2015 ♦ Design de Teresa Alves
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Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 20 Mar 10
Foto M. Brito-Semedo, 2009
Dia Mundial da Poesia
O acto de lançamento do livro A Sexagésima Sétima Curvatura (2007) marca simbolicamente o regresso do Poeta Oswaldo Osório às suas origens. O espaço em Mindelo, delimitado pela Rua da Moeda, Largo do Madeiral e Praça Baltasar Lopes da Silva, foi escolhido para esse reencontro.
A Empresa das Águas de Madeiral que, a 27 de Maio de 1886 fez chegar as águas das nascentes do Madeiral e do Madeiralzinho à cidade do Mindelo, está associada a Osvaldo e a todo o mindelense nascido até aos finais da década de 50. Quem sabe se as águas da nossa placenta não provieram daqui?
Recordo que a água era armazenada no depósito situado no Largo da Estação, hoje Praça Baltasar Lopes da Silva, e a entrada do público para compra de água – em vales de dois tostões por lata – nos lados maiores do prédio e a entrada geral do lado para o largo onde nos encontramos.
Em finais da década de 30, a D. Augusta terá feito serventia dessa água para, nesta casa aqui ao lado, dar o primeiro banho ao filho Osvaldo.
Acontece que em 1951, a Xanda de Nhá Liza, da Chã de Cemitério, então com 17 anos, vendia cuscuz neste largo, encostada a uma destas esquinas, quando conheceu “18”, um polícia da Praia, de seu nome próprio Estêvão, que se encantou com ela. Dessa ligação viria eu a nascer, tendo também sido dado banho na Água do Madeiral, porque a de beber era comprada no Quintal da Vascônia, da Ferro & Companhia.
A coincidência não fica por aqui. Apesar da nossa diferença de idade, que já se vai esbatendo, Oswaldo Osório e eu tivemos um percurso de vida mais ou menos idêntico, embora em linhas paralelas. Somos ambos de S. Vicente, criados em zonas próximas, chegando Osório a viver em Chã de Cemitério, nas imediações da minha casa; frequentámos ambos o Seminário Nazareno, recebendo as mesmas influências; assentámos arraiais na ilha de Santiago, mais ou menos pela mesma altura; e o interesse comum pelas coisas literárias encarregou-se de nos aproximar, transformando a minha admiração e respeito distanciado em estreita e profunda amizade.
É assim que se explica a generosidade e a confiança do Poeta em me ter associado a A Sexagésima Sétima Curvatura, um projecto pessoal e de família, concedendo-me a honra de a prefaciar, fazendo-me compadre de Giordano, o filho primogénito e agora seu editor, na sua feitura e apresentação.
Osvaldo Custódio nasceu em 1937 fadado para ser Poeta. Porque gostava da poesia de Osvaldo Alcântara, o pai, aluno de Baltasar Lopes, deu-lhe esse nome. O destino viria a pregar-lhe a ele, ao seu professor e ao filho uma grande calaca[i]. Longe estava ele de saber que este viria a ser poeta e que lhe criara dessa sorte um problema, porque havendo já um poeta com tal nome, este seria levado a usar um pseudónimo.
Assim, o verdadeiro Osvaldo Alcântara, aquele que o é no registo civil, torna-se, para a poesia, a partir da sua revelação na página literária Seló, em Maio de 1962, Oswaldo Osório (sendo o nome adoptado em homenagem a Oswaldo de Andrade, um dos grandes nomes do modernismo literário brasileiro, e Osório de Oliveira, um português promotor da Claridade e da literatura cabo-verdiana). E Baltasar Lopes, aquele que o é na poesia, e só na poesia, Osvaldo Alcântara. O interessante é que este escolheu tal pseudónimo apenas porque eram poucos os que colaboravam na revista Claridade e, para dar a impressão de haver mais um colaborador, passou a assinar os seus versos dessa maneira.
Falando agora do livro, A Sexagésima Sétima Curvatura é o percurso do Poeta pelas margens do tempo – do Caboverdeamadamente construção meu amor (1975) a Os loucos poemas de amor e outras estações inacabadas (1997), passando por Clar(a)idade Assombrada (1977) – sempre diferente ao longo da sua trajectória.
A obra, de leitura fácil e visualmente agradável (poemas curtos e mancha gráfica graciosa), é integrada por poemas escritos entre 1984 e finais de 2006 (há um único poema datado dos anos 70), estrutura-se em três secções: O Tempo e o Modo, O Tempo que Passa e O Tempo e a Curvatura da Idade.
A anteceder as secções, vem um poema longo, Recordai, dividido em três partes, escrito entre 1970/76. O poema impõe-se pela sua envolvência e função de enquadramento do processo histórico e dialéctico do Homem até que “o enterro colonial passa” e são “abertas as portas do amanhã [cabo-verdiano] conquistado”. Daí ser extenso, porque narrativo.
Para o linguista, o modo é uma categoria gramatical geralmente associada a um verbo e traduz diversas categorias do tempo “real” ou “natural”, sendo que a categorização mais frequente é a que opõe o presente ou o “agora” ao não-presente, podendo este último ser o passado, antes de o “agora”, e o futuro, depois do momento do enunciado.
O tempo, por seu lado, acumula outras categorias como as do modo, para traduzir a atitude do falante com relação aos seus próprios enunciados.
O Poeta, ao juntar nesta secção as duas categorias gramaticais, o Tempo e o Modo, procurou transmitir a sua postura em relação ao presente, ao “agora”, já que o futuro, esse, “só é tempo quando chega”, pois, de contrário, é uma modalidade (possível ou provável) de um dado facto ou acontecimento.
O Poeta faz essa reflexão sobre a paixão – “pequena bola azul / no infinitamente grande / rolando / juro-te que te amo / e corro atrás de ti / sem que te alcance” – sobre quem somos – “homens acenando com a rosa da comunhão / celebrando a entrada no reino da liberdade / festejando o admirável novo mundo / cantando a nova arrancada da esperança e a sua história” – sobre o útero de gea – “cada dia há mais homens e mulheres / filhos de gea a nossa mátria / que a querem amada e respeitada / una e pacificada / porque mátria só há uma”.
A atitude do Poeta nesta secção volta-se para o passado, tempo em que situa o enunciado num momento anterior ao presente, antes do “amanhã”, e é expresso no tempo perfeito do Indicativo, com afixo zero de passado – “andei a vida toda a enganar-me / entre as margens de um rio / que fluía leite e mel e embriagava / (…) / e descobri quanto me enganava” ou “construí minha vida / com muita alegria e rebeldia”.
O Poeta socorre-se de um outro método para cogitar sobre “o antes”, cotejando-o com “o agora” – “tudo o que faço agora / é sem pressa e devagar / até o tempo de amar / é recolhida âncora” ou “hoje não há bruxas que voem montadas em vassouras / (…) / perdeu-se o medo e o sentido do ritual” ou ainda “o amor não é como dantes / oh hoje não o faças fulo / fá-lo manso fá-lo crítico”.
O passado projecta-se até ao presente e traz a certeza de valores que são atemporais e a confirmação de decisões fundamentais feitas na altura certa – “em qualquer tempo em qualquer lugar / neste planeta ou do sistema solar / voltaria a levar-te ao altar” e “nunca me seduziu o ter / mas apaixonou-me o ser / nunca nada consegui ter / mas sendo consegui vencer”.
E é também o tempo de memórias do fogo – “memórias trazidas feridas abertas / mágoas lágrimas más horas / o peito esquece o ferro da dor / e cicatriza com o perdão do amor” – e da paixão – “Misturei meu sangue em todas as ilhas / só na que me foi natal / seca mas bela e fatal / não deixei meu rastro”.
É na última secção do livro que o Poeta, com a sagesse dada pela curvatura da idade, diz correndo (DizCorrendo) – signo de duplo sentido – as suas reflexões, constatações e filosofias sobre diferentes expressões e aspectos da vida – do signo identitário à língua, da cultura e conhecimento à arte, da poesia à globalização e ao terrorismo.
Esta é uma via de duas mãos concebida pelo Poeta para ser interactiva e onde o leitor é convidado a discorrer – ou dizercorrendo – fazendo os seus comentários, fixando as suas notas no espaço que o Poeta deixou em branco para esse fim.
Este modelo foi criado pelo Poeta para dar a (sua) voz e passar o (seu) discurso ao leitor, que deve ser, afinal, o último a fazer o uso da palavra, ficando com a responsabilidade da propagação da palavra do Poeta e, assim, da sua perpetuidade.
A Sexagésima Sétima Curvatura é a nosso ver e por aquilo que nos foi dado demonstrar, o ponto alto do percurso ascendente de um Poeta, nascido na Rua da Moeda, que ainda tem muito para dar.
OSVALDO Alcântara Custódio OSÓRIO, a D. Augusta, lá onde está, deve estar a sentir-se muito orgulhosa deste seu filho único e do acto de lançamento promovido nesse local pelo neto Giordano, o Dgi, como o tratava.
Título: A Sexagésima Sétima Curvatura
Autor: Oswaldo Osório
Edição: Dada Editora
Ano de edição: Praia, 2007
[i] Passar rasteira.
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Olá Brito Semedo. Também apresento m/condolências ...
Bom dia,Apraz-me realçar que li, atentamente, o te...
Boa-noite. Que eu saiba, as crónicas do Nhô Djunga...
Abraços,
Leila Leite Hernandez