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A Saudade e a Morabeza Crioulas

Brito-Semedo, 7 Abr 10

 

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Praça Alexandre Albuquerque, Praia. Foto Gerson Brito-Semedo, 2005 

 

 

A saudade e a morabeza (a vogal da sílaba tónica deve ser lida de forma aberta) podem ser consideradas como o verso e o reverso do mesmo sentimento que melhor caracteriza e identifica o homem cabo-verdiano, ser expansivo e de trato fácil.

 

No Princípio era a Saudade...

 

Cabo Verde nasceu sob o signo da saudade. Em 1462, dois anos depois da sua descoberta, começou a tarefa do povoamento das ilhas, com europeus e escravos trazidos da costa de África, como forma de fazer delas um ponto de apoio à navegação e de assegurar a continuidade das Descobertas mais para o Sul e do comércio da costa.

 

Tanto o Europeu como o Africano, longe da sua terra-natal e dos seus, desenvolveu um sentimento de perda e de saudade. Posteriormente, fundindo na mestiçagem essas saudades de continentes diferentes, surgiram as cantigas crioulas, que deram origem à morna, de tom dolente e nostálgico.

 

De facto, cedo o homem cabo-verdiano habituou-se a ver chegar e partir pessoas de outras paragens, até ele próprio começar a sair em busca de melhores condições de vida. Por isso, encontra-se hoje nos quatro cantos do mundo, o que faz de Cabo Verde um país com uma população no exterior equivalente à residente.

 

Assim, todo o Cabo-verdiano tem um filho, um parente, um compadre ou um amigo a viver em outra ilha, ou mesmo emigrado no estrangeiro, que visita a terra com regularidade e com quem mantém relações próximas.

 

Vista Mindelo.jpeg

Praça Nova (vista aérea), Mindelo.
 
 

... e Depois a Morabeza

 

O facto de o Cabo-verdiano aspirar a viajar, conhecer novas terras e povos, ter pessoas próximas a viver em outras terras, como emigrante ou mesmo como estudante, pode ter desenvolvido em si uma disponibilidade natural para receber de forma amável qualquer visitante, desde o seu vizinho a gente de outras localidades, outras ilhas e outras nacionalidades. É esta atitude amigável, simpática e gentil de receber e de querer agradar e compartilhar que é, afinal, uma maneira de expressar a forma como gostaria de ser recebido, que é a morabeza.

 

Este sentimento, que é mais visível e praticado nos meios rurais, manifesta-se, contudo, de forma particular em cada uma das ilhas. Por exemplo, em Santo Antão havia, até há bem pouco tempo, o hábito de convidar os viajantes que faziam as suas jornadas a pé a entrar nas casas ao longo do caminho e secar o calor, que é, como quem diz, beber um cálice de aguardente (o grogue) e descansar um pouco. Nas outras ilhas agrícolas, nomeadamente em Santiago, nunca se vai fazer uma visita sem levar um agasalho, ou seja, uma prenda para os donos da casa, que pode ser um lenço de amarrar (lenço de cabeça), uma garrafa de grogue, algum rapé, ou um palmo de tabaco enrolado. O visitante, para além de ser bem recebido, normalmente regressa com um cabrito, um frango, ovos, leite coalhado ou queijo fresco, ou um saco contendo banana, papaia, mandioca, batata-doce, enfim, os produtos hortícolas que estiverem disponíveis no momento.

 

Ser morabi (a expressão é da ilha Brava), afável e gentil, é a expressão do sentimento da morabeza, que é, afinal, a forma de o Cabo-verdiano estar no mundo.

 

- Manuel Brito-Semedo

 

 

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5 comentários

De M.L.M a 12.04.2010 às 19:58

Disculpe só para esclarecer.
Quando disse que "merecias ser honrado atribuindo um nome à uma esquina" espero não ter sido redículo. É que desejaria mesmo que fosse uma que fez parte da sua vida, porque acredito que o senhor baseou-se nisso para dar esse nome ao blog, (pelo menos é o que pude perceber lendo os seus textos aqui no blog), e aqui partilhar, com os que fizeram parte das tuas vivencias nessa rua, os velhos e inesquecíveis tempos.
mais uma vez, sucesso.
A nossa cultura agradece.

De Anónimo a 12.04.2010 às 23:01

Comentário apagado.

De Brito-Semedo a 12.04.2010 às 23:03

Caríssimo, Essa de merecer, sinceramente acho que ainda não fiz nada para isso. Costumo brincar e fazer piada no meu círculo restrito de amizade que "a minha maior ambição na vida é, depois de morto, ser nome de rua (referindo-me àquela onde vivi a minha infância e adolescência)"! Outro dia, um camarada meu desse tempo, lembrou-me que, quando saí da Chã de Cemitério, quem foi viver na minha casa foi... nem mais nem menos, o Tito Paris, o músico! Neste caso, o desafio de fazer alguma coisa de valor para ter uma placa com meu nome nessa casa é muito maior, a não ser que morra primeiro que o Tito (aqui, bato na madeira, hi, hi, hi)!

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