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Rádio Barlavento.jpg

 

 

Carlos Filipe Gonçalves

 

 

Dedico este artigo ao meu falecido pai e aos fundadores da Rádio Barlavento

 

 

Na radio Barlavento.jpg

 

Legenda comentada da foto no páteo do Grémio/Rádio Barlavento finais dos anos 1950 um conjunto depois de uma gravação. De pé a partir da esquerda: Telmo Bárrio Vieira, Técnico de rádio/músico (bandolim); Augusto Pirico (violão); Ângelo Lima (violão); Hermes Lima (guitarra portuguesa); Lulu Marques (acordeão). Agachado: Arnaldo Gonçalves (piano) responsável pela correcção das notícias na rádio.

 

 

Desde o passado mês de Julho, estalou a polémica, sobre a Comunicação Social privada/ pública, uma questão relativamente pacífica (ou adormecida?) desde o 9 de Dezembro de 1974 dia do assalto à Rádio Barlavento, data agora decretada Dia da Radio! Uma data e um acontecimento que constituem um marco na luta política pela Independência de Cabo Verde, mas… cuja interpretação e significado ainda hoje, não colhe unanimidade no seio da sociedade cabo-verdiana. É que o 9 de Dezembro representa uma série de paradoxos e contrassensos, pior, é um acontecimento cuja sombra renasce através do debate que ora teve início e decorre.

 

Não há dúvida, que esta data representa uma noite fatídica para a história da radio privada em Cabo Verde e para a liberdade de imprensa. No calor da «revolução» que rebentou em Cabo Verde no seguimento do 25 de Abril de 1974 em Portugal, uma juventude generosa e sempre disponível para mudanças, participou e concretizou o assalto à então Rádio Barlavento, considerada na época o porta-voz daqueles que eram considerados contra a «Unidade Guiné-Cabo Verde» e por consequência «contra a Independência». Note-se, os então chamados «colonial fascistas» da Radio Barlavento também queriam a Independência, apenas não queriam a UNIDADE GUINÉ CABO VERDE! Mas, seis anos depois caía oficialmente o dogma da Unidade-Cabo Verde! Um princípio programático que aliás nunca passou de uma retórica em comícios e discursos inflamados… Só por isso é de estranhar que se tenha escolhido (decretado) para «Dia da Rádio» esta data que contém uma carga política que ainda hoje divide opiniões na sociedade cabo-verdiana, representa o fim das rádios privadas (nacionalização) e a continuação da falta de liberdade de imprensa.

 

Poderá ter pesado na decisão de escolha da data para a comemoração do «Dia da Rádio» a opinião de algumas pessoas (como se diz em crioulo: aqueles que são!) mas convenhamos, em termos de ética e quanto à defesa da Liberdade de Imprensa trata-se de um marco que não abona para os tempos vindouros, nem poderá servir de exemplo. Se não vejamos: foi o apoderar à força de uma propriedade privada, os donos nunca foram até hoje ressarcidos nem indemnizados! Um dos donos e o principal financiador e fundador da Rádio Barlavento guardou até o fim da sua vida o amargo de boca de tal acontecimento! Depois há os efeitos colaterais e outras consequências da «revolução» que até hoje deixaram mágoas a esposas, filhos e familiares, como seja o exílio de muitos cabo-verdianos que deixaram por cá os seus bens, muitos nunca mais voltaram! Entre estes não se pode esquecer muitos que foram responsáveis ou trabalhadores da Radio Barlavento, que são heróis da «História da Rádio em Cabo Verde» que começou em meados dos anos 1940, mas que na perspectiva da tal efeméride, estes nomes ilustres são os renegados da história… Mas na verdade, foram cabo-verdianos que amaram a sua pátria e apenas cometeram o erro de não querer a «unidade» com a Guiné.

 

Cabe por outro lado recordar que naquela data e noite fatídica o assalto cf. se conta, foi feito pelo povo (assim não houve responsabilidades), depois foi proclamada a RVSV (Rádio Voz de S. Vicente) que passou então a ser dirigida por uma comissão… mas sob tutela do partido em S. Vicente… até 1984 quando foi criada a RNCV (Rádio Nacional de Cabo Verde)! Recorde-se, na Praia, a Rádio Clube de Cabo Verde, foi transformada em Radio Voz di Povo, na sequência dos acontecimentos de 9 de Dezembro mas logo após a Independência foi convertida num departamento do Estado, a Emissora Oficial de Cabo Verde! No entanto, após o 5 de Julho de 1975, a RVSV continuou a funcionar por quase dez anos como uma radio local, com chefias nomeadas e dependentes do aparelho partidário de então. A partir de 1977 foram nomeados alguns dos seus trabalhadores no Quadro de Pessoal da Emissora Oficial, como forma de aliviar despesas, pois não havia verba do OE para a RVSV, porque esta, não era um organismo do Estado, nem nunca foi!

 

Ainda na sequência da tomada daquela rádio, decorreu na época uma grande «mobilização» à volta do célebre novo emissor da Rádio Barlavento da marca «Contel» que se encontrava então à espera de despacho na alfândega. Foi tecida uma história «fantástica» à volta deste emissor (ainda em peças soltas) que acabou por entrar nos meandros da cooperação internacional, só funcionou pouco mais de três anos a partir de 1980 e terminou num fiasco que consumiu tempo e avultados recursos financeiros apesar dos avisos dos parceiros, quanto à persistência no erro! Mas passemos adiante, deixemos aos historiadores a análise e conclusões sobre os efeitos dos acontecimentos de 9 de Dezembro, bem como sobre a surpresa que causaram na época tanto na Praia como em Bissau, onde se preparava o envio para Cabo Verde de dois emissores de ondas curtas da marca «Shwartz»… que até chegaram à Praia mas acabaram por nunca ser utilizados! A recente revelação de Almeida Santos, sobre os meandros do caminho final para a Independência, deveria ser um sério aviso a certas tomadas de decisão, pois afinal, há uma face escondida de muitos acontecimentos, que deitará por terra certas versões até hoje propaladas… Este acontecimento, tem pois muito mais interesses escondidos, resultantes de uma luta silenciosa pelo poder, postos, benesses etc. etc. Houve a meu ver um aproveitamento da juventude, para muitas pessoas arrumarem os seu tachos e posições na hierarquia do Partido e do Estado. Tanto é assim que a então «odiada» sociedade elitista de S. Vicente, recompôs-se e tomou o lugar dos do grémio que tanto odiavam... Por isso na sua análise não há unanimidade, ao contrário de outros acontecimentos da Luta pela Independência que são inatacáveis sob qualquer prisma.

 

Também é de referir em termos de comunicação o efeito McLuhan (o média é a mensagem) daquele acontecimento e que resultou numa repercussão/amplificação enorme na «mobilização» de que já falamos! No entanto aquele efeito seria pouco tempo depois vítima da ironia e da sempre boa disposição dos mindelenses com a frase «Bá dal na rádie!» uma crítica indirecta à chuva de comunicados e moções que a nova radio transmitia diariamente.

 

Em resumo esta é a verdadeira história que deve ser contada, paradoxo e surpresa é que passados mais de 40 anos constata-se que a sombra do 9 de Dezembro persiste na cabeça de muitos e há pessoas a defender a concepção arreigada do modelo Comunicação Social sob a alçada do Estado (Governos e porque não partidos?) “como forma de garantir liberdade de expressão e de informação” como se escreveu recentemente num artigo de opinião.

 

A questão do 9 de Dezembro até passaria despercebida (até poderiam ser esquecidos os seus efeitos e apenas ficar na História) não fosse passar a partir de agora a evocar um «dia de festa» que afinal não é, e representar um dia de orgulho do profissional da rádio, que afinal nunca poderá ser. E isso porque o seu significado representa o pairar de um espectro no panorama da radio privada em Cabo Verde de ontem e de hoje. Basta um olhar à nossa volta e observar o sector privado de CS que temos: fragilizado e esmagado por “essa superioridade reconhecida da RTC em relação aos media privados, pois é uma obrigação que assim seja” cf. foi escrito e publicado recentemente. Por isso volto a repetir o que dissera numa comunicação que fizera em 9 de Dezembro de 2009 em S. Vicente no encontro «Os Desafios da Rádio Pública na Era Digital»: “A tomada da Radio Barlavento é um acontecimento histórico, constitui um marco da caminhada rumo à Independência, mas constituiu, não posso deixar de o dizer, o fim da grande e bela aventura que foi a era das rádios privadas em Cabo Verde, para dar lugar ao monopólio do Estado sobre os meios de comunicação social, situação que terminou «de jure» a partir de 1992 e deu lugar ao que se chama hoje «rádio pública» tendo recomeçado então timidamente a iniciativa privada. (…) Cabe então uma reflexão sobre o binómio, liberdade de imprensa, que tem sido tão festejada e a questão da sobrevivência económica das rádios privadas e comunitárias, cuja debilidade económica não lhes permite oferecer um produto de qualidade. Não se esqueça que o estrangulamento económico limita a Liberdade de Imprensa!

 

Por isso, e com todo o respeito, chamo atenção para o facto da colocação de uma «placa comemorativa» de tão infausto evento no edifício onde funcionou a Rádio Barlavento, só poderá ter sentido se devidamente enquadrado historicamente, para que os maus exemplos não sejam transmitidos às gerações vindouras. Cabe neste ponto a máxima «Uma coisa é aprender com o passado; outra é ficar lá preso» como escreveu por estes dias num «post» na sua página no FB um amigo de infância, até por sinal pessoa que participou dos acontecimentos do 9 de Dezembro. 

 

Praia, 10 de Dezembro de 2015

 

 

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