No período cronológico aqui estudado, os britânicos constituíram a presença comercial e naval estrangeira mais influente e duradoura no arquipélago cabo-verdiano, prolongando-se até às primeiras décadas do século XX. Contudo, como a natureza das relações anglo-cabo-verdianas se alterou consideravelmente com a transição do comércio de escravos para o comércio legítimo, os séculos XIX e XX não serão objeto de análise neste trabalho.
No final do século XIX, Cabo Verde tornou-se um posto avançado marítimo para os navios a vapor britânicos de rotas transoceânicas, um fornecedor de carvão mineral e uma estação de abastecimento no Porto Grande do Mindelo, na ilha de São Vicente. Com isso, iniciou-se um novo capítulo nas relações entre britânicos e cabo-verdianos.
O tema em investigação apresenta especial dificuldade. As fontes em língua portuguesa relativas a este espaço colonial são bastante escassas. A maioria insere-se num contexto político, centrando-se em questões como a administração quotidiana, rivalidades políticas e institucionais, infraestruturas militares, irregularidades na gestão pública e atrasos no pagamento de salários. Raramente fornecem informações sobre o povo cabo-verdiano, incluindo a sua vida quotidiana, hábitos, estilos de vida, práticas religiosas ou idioma. Assim, torna-se necessário recorrer a fontes não portuguesas.
Autores ingleses, como o corsário William Dampier e o pequeno comerciante George Roberts, escreveram mais sobre Cabo Verde e os cabo-verdianos em poucas páginas do que se encontra em dezenas de documentos portugueses. É certo que algumas dessas descrições, como no caso de Dampier, combinam informação factual com elementos ficcionais — uma tendência que se acentuou à medida que o arquipélago se tornou periférico, ou mesmo ultraperiférico, relativamente às principais rotas do tráfico de escravos africanos a partir da segunda metade do século XVI.
Mesmo as informações sobre o comércio — excluindo os dados quantitativos, a origem e o destino dos navios, os nomes dos comerciantes e agentes envolvidos e as rotas comerciais — são geralmente vagas e imprecisas. Os arquipélagos atlânticos são espaços de interação complexa, com redes que os ligam de forma direta ou indireta. Entre os séculos XVI e XVIII, Cabo Verde esteve integrado no mundo atlântico.
Estas ilhas funcionavam como ponto de convergência de rotas que as ligavam à Senegâmbia, aos arquipélagos do Atlântico Norte, a Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Holanda e às respetivas colónias nas Índias Ocidentais, no Brasil, nas Antilhas, nas Caraíbas e, por fim, na América do Norte.
Desde o início, a sociedade cabo-verdiana, surgida nas últimas décadas do século XV, desenvolveu-se num modelo relacional construído a partir da sua posição geoestratégica no Atlântico central. O seu núcleo era a "Guiné de Cabo Verde" e o mundo "cabo-verdiano-guineense". Esta sociedade desenvolveu um comércio externo ativo, centrado sobretudo no tráfico de escravos, inicialmente com destino à Península Ibérica e, mais tarde, às Índias de Castela.
Em meados do século XVI, a articulação entre Cabo Verde e a Guiné era a principal ligação entre os dois impérios ibéricos. Além disso, Cabo Verde constituía uma escala obrigatória nas rotas marítimas para a Índia e, posteriormente, para o Brasil.
A posição privilegiada dos comerciantes cabo-verdianos no comércio de escravos da Senegâmbia baseava-se nos privilégios concedidos pela coroa portuguesa em 1466, que lhes garantiam o monopólio legal ao abrigo da doutrina do mare clausum. Estes mercadores adquiriram um profundo conhecimento dos mercados africanos e das práticas comerciais locais, o que lhes conferiu um estatuto preferencial como agentes, corretores e principais fornecedores do comércio de escravos da Senegâmbia para Portugal, Espanha e as Índias de Castela.
A ilha de Santiago, por sua vez, tornou-se o principal ponto de arrecadação fiscal do comércio africano. Em Santiago e no Fogo — as primeiras ilhas ocupadas pelos portugueses —, desde os primórdios da colonização europeia, coexistiram diferentes nacionalidades, grupos sociais e étnicos.
Esta diversidade manifestava-se sobretudo nas zonas urbanas e portuárias, como Ribeira Grande e a cidade da Praia, onde comunidades cosmopolitas se formaram, integrando portugueses, judeus, cristãos-novos, africanos livres e escravizados, comerciantes estrangeiros e mestiços.
A cultura crioula emergiu deste caldeirão humano e social, dando origem a formas próprias de organização social, práticas religiosas e linguísticas híbridas. Estas características tornaram o arquipélago um espaço singular de interacção atlântica.
Cabo Verde funcionava simultaneamente como plataforma de redistribuição de produtos europeus para o interior africano e ponto de recolha de produtos africanos e de escravos para exportação para a Europa e o Novo Mundo.
A presença britânica nas ilhas deve ser entendida dentro desta lógica de integração no mundo atlântico. Apesar de marginal face aos impérios ibéricos, a Grã-Bretanha estabeleceu, desde o século XVI, relações comerciais significativas com Cabo Verde, intensificadas no século XVII por embarcações comerciais de pequena escala, corsários e navios da Royal Navy.
As visitas britânicas às ilhas eram, por vezes, esporádicas, mas noutras ocasiões tornavam-se regulares, criando circuitos comerciais semi-informais. Os principais interesses eram a aquisição de escravos, alimentos, água e outros mantimentos. Posteriormente, com a intensificação do comércio atlântico, os portos cabo-verdianos começaram a desempenhar um papel mais definido como pontos de abastecimento e de trânsito.
Documentos e relatos de viajantes britânicos referem-se frequentemente a Santiago, Brava e Maio, ilhas que proporcionavam boas condições para o ancoradouro, o abastecimento e a comercialização de produtos locais. Por exemplo, a ilha do Maio era conhecida pelo sal e pelos seus campos agrícolas; Brava fornecia água e frutas; Santiago, pela sua dimensão e população, funcionava como centro económico e administrativo.
As relações entre os britânicos e as autoridades locais nem sempre foram pacíficas. Houve períodos de tensão, resultantes de disputas comerciais, abusos por parte de corsários ou desacatos com as populações locais. Contudo, estas tensões raramente ultrapassavam o plano local, sendo geralmente resolvidas através de negociações diretas ou de simples afastamento.
Em termos militares, a presença britânica não implicava ocupação ou domínio territorial. Tratava-se de uma presença comercial, ocasionalmente protegida por força naval. Apenas em situações excecionais — como a perseguição de navios inimigos ou a repressão de atos de pirataria — se registavam intervenções militares no território cabo-verdiano.
As autoridades portuguesas, embora formalmente controlassem o território, revelavam-se frequentemente incapazes de assegurar um controlo efetivo sobre o tráfego marítimo e as atividades comerciais nas ilhas. A escassez de recursos, a corrupção e a distância da metrópole fragilizavam a administração colonial, permitindo o florescimento de redes comerciais paralelas e informais.
É neste contexto que se deve compreender a importância das ligações entre Cabo Verde e os britânicos: não apenas como expressão de comércio transatlântico, mas também como reflexo de uma economia insular periférica, que sobrevivia e se adaptava a partir da articulação com múltiplos atores e mercados externos. A flexibilidade, a mestiçagem cultural e a informalidade foram traços estruturantes da realidade cabo-verdiana entre os séculos XVI e XVIII.
Senhor Alipio, sou bisneto do Adérito Sena, neto d...
Olá Brito Semedo. Também apresento m/condolências ...
Bom dia,Apraz-me realçar que li, atentamente, o te...