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Foto Presidência da República

 

 

Começo por apresentar à editora Rosa Porcelana e ao Presidente da República de Cabo Verde, Dr. Jorge Carlos Fonseca, os nossos sinceros agradecimentos pelo convite e o nosso sinal de apreço pelas iniciativas da homenagem e da atribuição da Medalha de Mérito ao João Manuel Varela.

 

A todos os intervenientes, nomeadamente, ao Brito-Semedo, à Márcia Souto, ao Manuel Varela Neves e ao Tchalé Figueira, ao João Branco e à Janaína Alves, o nosso especial reconhecimento por darem corpo a esta homenagem, por fazerem que ela se realize.

 

A todos os amigos e leitores, ao homem anónimo destas ilhas, um bem-haja, em particular àqueles que estão aqui connosco, pois sem o vosso abraço isso tudo não faria qualquer sentido.

  

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Uma década após o seu desaparecimento físico, dez anos em que parece haver um silêncio ensurdecedor das instituições Culturais do país sobre este seu filho, filho lapidar destas ilhas, que poderá dizer a família sobre o nosso homenageado? O que poderá dizer a família do João Vário neste acto de homenagem?

 

Esta é uma questão preliminar que se nos coloca perante a iniciativa da homenagem e perante o convite em participar da homenagem! Antes de mais, fazendo jus à atitude do Poeta (escritor, pensador) e Cientista, é importante deixar aqui bem claro que ele nunca foi dado às homenagens, ou àquilo que o senso comum entende como tal, e que o idioleto discursivo utiliza por habituação!

 

Pois Maria, de seu nome, e Delgado, de seu apelido,

ela deu à luz em Junho, e ao sétimo dia,

dia de São Roberto.

E chamou-se João ao menino.

Nenhum reino lhe seria posto sobre os ombros

e seria o Reno, esse periférico rio de Estrasburgo,

que o mediria, porque faltara a grande graça.

Mas andaria à volta desses países novos

como a abelha fabricando o seu mel ou a sua casta.

(e citamos João Vário, in Exemplo Coevo, Canto Primeiro.)

 

Posto isto, é importante começar por referir que João, o menino destas ilhas e desta cidade de Mindelo, deambulou pelos quatro cantos do mundo e se fez um homem do Mundo em sua plena circularidade! Colheu da dialética a tentação de pretender narrar o homem na sua exemplar singularidade, como se a vida tentasse deter uma outra humanidade. Dizer que Djom de Bia Didial caminhou por longos anos na solidão que se alimenta do trabalho abnegado, e que acarinhando o perdão e o tema do carácter imponderável da verosimilhança, acarinhou também o contrário da nossa pequenez, para encontrar o sentido da nossa pequenez, e recolheu nisso o sonho destes recantos: a desmesura e a desolada beleza das nossas paisagens!

 

Ele dizia, nos seus últimos dias, que nada se assemelhava à contemplação da sua (e nossa) Baía do Mindelo! E esperamos que entendam isso na mesma medida, humilde, com que o Pessoa (Alberto Caeiro) cantou “o rio da minha aldeia”:

 

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.

Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

(Alberto Caeiro, um dos heterónimos do Fernando Pessoa, no poema «Pelo Tejo Vai-se para o Mundo»)

 

João dizia amiúde, nos seus últimos dias, que sabia não ter encontrado maior beleza do que contemplar o anoitecer da nossa Baía.

 

É que a Beleza, como ele também dizia

 

a beleza é a única unidade revelada,

qual mística ferida, triunfante rumo

no grão insubstituível, lenta totalidade.

(João Vário, in Exemplo Coevo, Canto Terceiro)

 

Se por ventura alguém o visse parar de repente nos seus passeios pela cidade, seguramente, seria por ele se deixar surpreender, sem subterfúgios, pela beleza. Porque as nossas mulheres são duma beleza longilíneas, como se o Modigliani (Amadeo Modigliani, artista plástico e escultor italiano) tivesse inspirado nelas! E quem sabe, elas (as nossas mulheres) guardassem o segredo e a mistura das influências da escola de Siena e da arte Africana, nomeadamente dessa nossa costa africana!

 

Sem esquecer a sua outra ocupação no âmbito das suas pesquisas científicas, quando contemplava as nossas mulheres, caminhando!, bastas vezes lhe saía mais ou menos o seguinte comentário:

 

Que soberba dedicação:

O que a natureza se esforçou

O que a natureza trabalhou

Para conceber as pernas duma mulher!

 

Djom, como era tratado desde criança pela mãe Bia, e como ele fazia questão de ser tratado em família, era, no seio dela, e na envolvência que transcende os membros da família, da infância à maturidade, incluindo os amigos e a vizinhança quotidiana que dão corpo à vida, (pois que ele assumia como seus “a história do meu país e da minha família”), dizíamos, sem nenhum pingo de necessidade rememorativa, que neste seio maternal Djom era dono duma candura incalculável! Dirão muitos dos presentes que isso contraria aquela imagem que se assumiu ser a melhor que descreve o homenageado, isto é, a imagem de homem grave, 
austero.

 

É certo que, como todo o ser humano, João Manuel Varela era um homem portador de uma personalidade multifacetada. Porém, ao contrário do que muitos pensam, o meu irmão era humilde, alegre, muito extrovertido entre os amigos. Todavia, devido à sua franqueza, por vezes acutilante, e à intolerância que deixava transparecer em relação a mediocridade – João não aceitava atitudes medíocres em quem tinha o dever e a obrigação de não as ter – acabou por prevalecer a ideia, que de certo modo convinha, particularmente para a comodidade de alguns que até à data do seu falecimento nunca o entenderam, de que se tratava de um escritor arrogante, quando o que estava e continua a estar em causa é a densidade da sua escrita e a altivez do seu pensamento, inevitáveis, por tratar temas profundos da condição humana.

 

(por razões óbvias isso não aconteceu com o seu lado científico!)

 

Assim, propomos de passagem a leitura do pensamento e o diálogo de dois personagens do G.T. Didial:

 

(inicio de citação)

 

‹‹Mas afinal de que falas com a tua mãe? Há já uma semana que ela está contigo... ela não se aborrece? Que conversa podes ter com ela que lhe possa interessar?›› Ele tinha retrucado, irritado: ‹‹Mas desde quando um filho e uma mãe normais e dotados de bom senso não encontrarão nada para se dizerem, após longos anos de separação? Tu estás demasiado impressionado com essa narrativa autobiográfica de Camus, eu sei. Mas diz-te bem que o silêncio ou a incomunicabilidade entre dois seres que se amam não é consequência de diferenças culturais, mas de timidez ou, quando muito, de feitios. Tens tendência a mitificar o trabalho ou a profissão. Um homem não é apenas o seu talento ou o seu trabalho, não é isso evidente? Há muitas coisas em mim que se exprimem consoante os interlocutores, que aguardam interlocutores adequados para se exprimirem segundo a sua natureza››.

(...)

Entretanto, o certo é que para encontrar a mãe, subiu a uma praia inominada, como importava, lá aonde só musas benignas ou anjos tutelares aportavam para instalar a solicitude, a bem-aventurança e a ternura. Desertar a ciência, a sabedoria, porque a imaginação criadora não era o cesto da complexidade ou da arrogância, mas a porta aberta a todas as interrogações e a todas as homenagens. E a que homenagem abrir-se melhor do que à candura e ao afecto, sobretudo se são elas que a trouxeram ao mundo?”

(G.T. Didial, in Conto n.º 2, No Zoo de Antuérpia, Contos de Macarónesia – Vol.I) (fim de citação)

 

Para terminar e porque a vida não se resume apenas aos faits divers que também fazem pl’arte da literatura e que por vezes se incrustam às rochas do destino, para cuidar ou para atenuar, como as amarras que se aprisionam ao cais, a sua obra está aí para ser partilhada ou para ser ponderada pelas gerações vindouras. Que é como quem diz, para que se reconheça nela o Poeta, o Homem de verdade, e os seus anjos tutelares.

 

 – António Manuel Neves (Toi de Bia D'Ideal)

 

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