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Armando Napoleão Rodrigues Fernandes

 

Brava, 01.Julho.1889 – Praia, 19.Junho.1969

 

 

Armando Napoleão Rodrigues Fernandes nasceu na Ilha Brava, Cabo Verde em 1 de Julho de 1889. Investigador da língua cabo-verdiana é o autor do primeiro dicionário crioulo/português, com o título: O Dialecto Crioulo – Léxico do Dialecto Crioulo do Arquipélago de Cabo Verde, obra terminada em 1943, mas que só foi publicada postumamente em 1991. Esse trabalho é considerado, pioneiro na promoção e valorização da língua cabo-verdiana, o crioulo. Em homenagem, o seu nome foi dado à Escola Secundária situada em Cruz Grande/Achada Falcão, Assomada, Concelho de Santa Catarina, inaugurada em 2008. Condecorado pelo Presidente da Republica com a Medalha de Mérito em 5 de Julho de 2000.

 

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 Biografia


Filho de João Bento Rodrigues d’Abreu Fernandes (Nhô Filili) funcionário aduaneiro e mãe guineense Margarida Gomes Fernandes. O pai desempenhou as funções de Director das Alfândegas e esteve destacado em diversas ilhas e na então Guiné Portuguesa.

 

Na infância e juventude acompanhou o pai pelas várias ilhas para onde era transferido em serviço. Teve assim contacto com as diversas variantes do crioulo que se falava nas diversas ilhas, nascendo assim o interesse pelo estudo do que para ele na época já era uma língua, mas não reconhecida como tal. Ao longo de mais de 40 anos, recolheu, compilou e ordenou milhares de palavras, o seu significado, origem etc. Nas noites frias na sua casa na propriedade que chamava «Galo Canta» no interior do Concelho de Santa Catarina, na Ilha de Santiago onde viveu a maior parte da sua vida, foi trabalhando ao longo dos anos na obra da sua vida o Dicionário do Crioulo e na Gramática do Crioulo, obra indispensável ao suporte da primeira. Infelizmente esta segunda empreitada ficou inacabada.

 

Nos princípios dos anos 1920, casou-se com Alice Lopes da Silva Fernandes (falecida em 1935) originaria de uma família de funcionários públicos e proprietários da Ilha de S. Nicolau, era sobrinha do poeta José Lopes da Silva, prima dos escritores Baltazar Lopes da Silva e António Aurélio da Silva Gonçalves. Depois da morte da primeira esposa, voltou a casar por duas vezes. Teve uma imensa prole, mais de 30 filhos! Destacam-se: Ivone Aida Lopes Rodrigue Fernandes Ramos (Ivone Ramos) e Orlanda Amarílis Lopes Rodrigues Fernandes Ferreira (Orlanda Amarílis) ambas escritoras e Armando Nelson Fernandes, compositor.

 

Proprietário e comerciante foi um homem de muitas aptidões, pelo que foi relojoeiro, fotógrafo, alfaiate… etc. etc. É que viver naquela época, num canto isolado de uma ilha, com carências de toda a espécie requeria inteligência e saber para resolver os mais intricados problemas que surgiam no dia-a-dia. Foi também advogado solicitador, função que desempenhou por vários anos.

 

Faleceu no Hospital da Praia, depois de doença prolongada em 19 de Julho de 1969. O seu corpo foi depositado no jazigo da família (ler: epitáfio) no cemitério da cidade da Praia.

 

A obra, o pioneirismo e actualidade


A filha Ivone Aida Lopes Rodrigues Fernandes (Ivone Ramos) num testemunho na Revista África[1] refere que o pai um dia lhe disse que “desde moço começou a trabalhar na recolha para um dicionário de crioulo e trazia sempre consigo pedaços de papel e lápis. Sempre que ouvia uma palavra diferente anotava-a.”

 

Ao longo de anos fez pesquisa sobre a língua cabo-verdiana, utilizou um sofisticado sistema de ficheiro, em que cada verbete correspondia a uma palavra e seu significado. Para tal utilizava um quarto de folha de papel almaço (A4) para cada verbete, o todo guardado por ordem alfabética, em caixas de papelão. Após a sua morte, os herdeiros não sabendo o que significavam aquelas caixas cheias de pedaços de papel, não lhes deram o devido valor, pelo que se perdeu a maior parte deste espólio, que foi a base para escrita de uma das obras mais completas sobre o crioulo de Cabo Verde, ainda no período colonial.

 

O Dialecto Crioulo – Léxico do Dialecto Crioulo do Arquipélago de Cabo Verde, para além de um dicionário com definição/descrição em português das palavras usadas no falar do dia-a-dia, é uma importante fonte cultural, pois contém a descrição de quase todas as manifestações culturais cabo-verdianas (música, tradições, festas, etc.) contém uma recolha de centenas de provérbios e ditos populares. Para além disso, contém palavras que foram caindo em desuso ao longo dos anos.

 

Manuel Ferreira, no ensaio “A propósito do pioneirismo de linguístico de Armando Napoleão Fernandes” que constituiu a introdução da obra O Dialecto Crioulo – Léxico do Dialecto Crioulo do Arquipélago de Cabo Verde, refere: “ (…) soubemos do «Dialecto crioulo» aí por volta de 1943 (…). Posteriormente em correspondência que travamos, tivemos ocasião de falar no «Dicionário» e, obviamente a sua eventual publicação. E quando lhe perguntámos (…) se não o fazia acompanhado de um prefácio de Baltasar Lopes, respondeu-nos que sempre fora sua intenção fazê-lo acompanhado de um prefácio de José Lopes.” Refere neste ponto Manuel Ferreira que “A sua admiração por José Lopes vinha da aura que este desfrutava na sociedade cabo-verdiana e ainda porque José Lopes tinha sido seu professor de instrução primária, na Ilha de Santo Antão”.

 

Vicissitudes várias impediram a publicação da obra naquela época tendo ficado esquecido por décadas o «original» manuscrito de 1013 páginas (com cerca de 5 mil entradas) em papel almaço (30cmX12cm) organizado em dois volumes devidamente encadernados pelas suas próprias mãos. Paralelamente foi escrevendo uma Gramática do Crioulo, obra que ficou inacabada.

 

Após a sua morte, continuaram as vicissitudes que foram impedindo a publicação d’ O Dialecto Crioulo – Léxico do Dialecto Crioulo do Arquipélago de Cabo Verde mesmo depois da Independência Nacional, até que finalmente em 1991 a filha Ivone Ramos conseguiu um financiamento e fez a publicação do livro com 179 páginas.

 

Manuel Ferreira na introdução à referida obra refere “(…) tantos foram os que amaldiçoaram o crioulo, por excesso de etnocentrismo, por incapacidade científica, por uma série de coisas, e até, vamos lá, próprias de uma época que temia a adulteração das línguas, e às línguas queria dar um estatuto de soberania alargada. E daí – que sanha contra o crioulo de Cabo Verde! ” Neste ponto aquele autor refere uma extensa lista de nomes e citações de “Muitos que se distinguiram nessa cruzada da pirologia verbal”.

 

Por outro lado, Manuel Ferreira faz um exercício, para demonstrar o «pioneirismo» de Armando Napoleão Fernandes no estudo do crioulo de Cabo Verde. A dado passo, chama atenção para o seguinte: “ (…) se consultarmos a obra de John E. Reinecke[2] e sua equipa de investigadores (…) encontramos registos de crioulos de todo o mundo (…). Naturalmente que Cabo Verde nessa obra cabe um lugar de realce (…). E foi exactamente aí que fomos encontrar o nome de Armando Napoleão como autor de um original sobre o crioulo de Cabo Verde” É importante notar que esta referência foi feita muito antes da obra de Armando Napoleão Fernandes ter sido publicada.

 

Como se viu anteriormente, a obra já estava pronta em 1943 e nos anos seguintes, a expectativa da sua publicação era grande. Daí a conclusão de Manuel Ferreira: “Eis porque aquele «Dicionário» se tornou num objecto que entrou no domínio de fábula. Existe? Não Existe? Realidade ou ficção? Meia dúzia oteriam visto, quantos o teriam foleado? Mas nele se continuava a falar e até a citar publicamente, uma espécie de rumor que mantinha viva a presunção.” E até hoje depois da publicação, a obra continua no «imaginário» continuando a gozar de uma dimensão «mítica». A edição de 500 exemplares em 1991 rapidamente esgotou e a consulta da obra pelo grande público tornou-se difícil. Aguarda-se uma segunda edição.

 

E no meio de tudo isto a questão da grafia, que ontem como hoje tem sido uma preocupação. Digamos até que tem sido o pomo da discórdia. Manuel Ferreira refere que nos anos 1930 quando da publicação de Mornas Cantigas Crioulas de Eugénio Tavares, “a questão da grafia do crioulo andou pelos jornais de Cabo Verde. Cremos ter sido por esta altura (…) que Napoleão Fernandes escreveu o prefácio para sua gramática do crioulo.” Note-se que o manuscrito «gramática do crioulo» existe, mas faltam muitas páginas, pelo que até agora não foi possível a sua publicação. No prefácio à «gramática do crioulo» encontra-se a explicação não só para este trabalho, mas também as linhas de força que orientaram na feitura do «dicionário».

 

Escreveu pois Armando Napoleão Fernandes o seguinte: “ (…) ao empreender um trabalho tão árduo e ímprobo, de tamanha monta, só tinha em vista, em face do estudo aturado e atento, fazer uma gramática em que demonstrasse que a origem do crioulo de Cabo Verde, tido como um dialecto bárbaro e fugindo a qualquer codificação era derivado do português genuíno, aprendido dos primitivos colonos, dos senhores, desde a colonização dessa ilhas (…) encontrando-se ainda termos arcaicos que acompanharam a evolução da língua misturada já de termos ou palavras de origem africana – da vizinha Guiné –, mas de significação precisas que embora derivados uns dos outros, não têm equivalentes (como se expõe no Léxico) e que por isso prevalecem ou subsistem a par dos sinónimos da língua portuguesa e que não dizem tanto.”

 

Finalmente Manuel Ferreira aponta a questão da fonologia que vai ocupar “muito da sua atenção, atento como estava às características do falar da ilha de Santiago e na convicção de que «cada Ilha» tem «o seu sotaque, e não dialecto» destacando-se a diferença entre os dois grupos, o de Sotavento e o de Barlavento (…) ”

 

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 Pelo seu pioneirismo esta obra, O Dialecto Crioulo – Léxico do Dialecto Crioulo do Arquipélago de Cabo Verde, tornou-se numa referência obrigatória na maior parte dos estudos realizados posteriormente por diversos investigadores, nomeadamente Jürgen Lang Gunter Narr Verlag[3], Martina Bruser e André dos Reis Santos[4] ou Ana M. Carvalho[5] entre outros.

 

Obras

  • O Dialecto Crioulo – Léxico do Dialecto Crioulo do Arquipélago de Cabo Verde.Ed. Ivone Ramos, Mindelo, 1991.
  • Gramática do Crioulo de Cabo Verde (obra incompleta ainda não publicada).

 

Texto: Carlos Filipe Gonçalves, Jornalista

 

_________

[1] Revista África – Literatura, Arte e Cultura fundada e dirigida pelo escritor Manuel Ferreira a partir de meados dos anos 1970.

[2] Reinecke, John E[rnest]. 1937. Marginal languages: a sociological survey of the creole languages and trade jargons. Tese de doutoramento (Ph.D) não publicada, Yale University; Reinecke, John E[rnest] et al. (eds.). 1975. A Bibliography of Pidgin and Creole Languages. Honolulu:The University of Hawaii Press.

[3] Cabo Verde – Origens da sua sociedade do seu crioulo - Jürgen Lang Gunter Narr Verlag, 2006 - 243 páginas – Ref. pág. 40 Secção Bibliografia.

[4] Dicionário do Crioulo da Ilha de Santiago (Cabo Verde): com equivalentes de tradução em Alemão e Português, Martina Bruser e André dos Reis Santos – Ref. pág. 9 Secção Fontes de Informação.

[5] Português em Contacto, Ana M. Carvalho – Ref. pág. 85 Secção Bibliografia.

 

 

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