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As Ilhas que Cantam no Mundo

Brito-Semedo, 3 Nov 25

 

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Pintura de Jackie Lopes Da Luz, 2025



Um prendinha para Ely, lá na terra-longe.

 

 

Integrada no ciclo comemorativo dos 50 anos da Independência de Cabo Verde, esta Exalta reafirma a vitalidade de uma nação cultural que se expande pelo mundo sem perder o seu centro. É um canto de pertença e de travessia, celebrando o país que continua a escrever-se e a cantar-se, dentro e fora das ilhas, no compasso das suas diásporas.

 

Há quem pense que a pátria termina onde o mar começa. Mas Cabo Verde, arquipélago de pedra e vento, aprendeu cedo que o mar é caminho, não fronteira. Daqui partiram homens e mulheres levando consigo a saudade e o sonho, e foi assim que nasceram outras ilhas – invisíveis, flutuantes, espalhadas pelo mundo. Chamam-se Lisboa, Boston, Paris, Rotterdam, Nice, Luanda, São Paulo. Todas elas são Cabo Verde.

 

Cinquenta anos depois da Independência, o país reencontra-se naquilo que sempre o definiu: a travessia. A pátria cabo-verdiana continua a ser escrita, dita e cantada – nas ruas das ilhas, nas praças da diáspora, nas varandas onde a morna se mistura com o jazz, o rap, o fado e o samba. A crioulidade tornou-se língua de resistência e de futuro, falada com sotaques diversos, reinventada por cada geração que parte e regressa, mesmo sem regressar.

 

Em Paris, o Kriolu Festival transforma a capital francesa num palco atlântico. Em Boston, o Cabo Verde Festival junta famílias e tambores, reafirmando uma pertença que o tempo e a distância não dissolvem. Em Lisboa, as noites de morna e coladeira enchem casas de fado e bares de bairro. Em Rotterdam, jovens artistas misturam batuque com electrónica, sem pedirem licença ao purismo. Em São Paulo, colectivos femininos resgatam as vozes silenciadas das mães e das avós. Em Luanda, o crioulo ecoa entre ruas que um dia foram destino de partida.

 

A diáspora cabo-verdiana é hoje um vasto arquipélago cultural: escolas que ensinam batuque, editoras que publicam poesia em crioulo e português, plataformas digitais que projectam a identidade crioula à escala global. É também o território simbólico de uma geração digital que cria, edita e partilha – do cinema ao design, do slam poetry à moda – fazendo do ecrã uma nova praça pública da crioulidade.

 

Ser cabo-verdiano no século XXI é mais do que carregar uma bandeira: é habitar uma memória plural e crítica, é recusar o esquecimento, é afirmar que o Atlântico não divide, liga. Cada canção, cada livro, cada gesto solidário é um acto de reconstrução nacional. Porque a verdadeira independência é feita todos os dias – nas pequenas vitórias, nos reencontros, nas pontes invisíveis entre ilhas e continentes.

 

Celebrar meio século de independência é compreender que a liberdade não se conquista de uma vez por todas. É obra inacabada, horizonte em movimento. E a pátria, essa, não é apenas um território: é uma ideia que se escreve e se canta, geração após geração, de barco, de avião, de coração.

 

Hoje, a crioulidade é o nome do futuro: mestiça, aberta, luminosa. E talvez seja essa a nossa maior herança – continuar a transformar o exílio em casa, a distância em pertença, a saudade em força criadora.

 

Enquanto houver uma morna tocada ao pôr-do-sol, um poema escrito entre dois mares e uma criança que aprenda a dizer nôs terra com orgulho e ternura, Cabo Verde continuará a cantar-se – do cais da Furna, na Brava, e do Porto Grande de São Vicente, à baía de Boston, do Atlântico ao mundo.

 

 

N.A. – Esta crónica faz parte da série Exaltas, dedicada a reconhecer e celebrar o que eleva o país – os gestos, as ideias e as conquistas que fazem de Cabo Verde uma nação de alma grande.

 

 

Manuel Brito-Semedo

  

 

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