Recomendações de consulta
Assuntos culturais
Bibliotecas Virtuais
Blogues Parceiros
Documentários
Instituições Ensino Superior
Para mais consulta
Esquina do tempo por Brito-Semedo © 2010 - 2015 ♦ Design de Teresa Alves
Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 3 Nov 14
Para as Verdianas nascidas em 1975
O capacete é um símbolo do poder usado por homens que a mulher se apropria aos 40 anos e legitima como seu, ser dona da sua própria cabeça, da sua própria vontade.
Fidjinha m’nina nova
casá q’ ôme de 80 óne.
Oi, ôme, Nhô Antôn Dóia,
bocê tró-m êss capacete,
capacete de 40 óne.
Bocê tró-m êss capacete,
capacete de 40 óne.
Cantiga Popular
Desde as sociedades primitivas, determinados momentos na vida de seus membros são marcados por cerimónias especiais, conhecidas como ritos de iniciação ou ritos de passagem, que são celebrações que marcam mudanças de status de uma pessoa no seio da sua comunidade.
Os ritos de passagem são realizados de diversas formas, dependendo da situação celebrada, que vão desde rituais místicos ou religiosos, passando por assinatura de papéis, às praxes. Os mais comuns são os ritos ligados a nascimentos, formaturas, casamentos e morte.
Estas cerimónias, mais do que representarem uma transição particular para o indivíduo, representam igualmente a sua progressiva aceitação e participação na sociedade na qual está inserido, tendo, portanto, tanto o cunho individual quanto o colectivo.
Nos ritos de passagem das meninas, que decorrem de aspectos biológicos, assinala-se a primeira menstruação, que marca a sua passagem da infância para a adolescência e a perda da virgindade, o seu iniciar na vida adulta. É por demais evidente que isso acontece em ambientes culturais e antropológicos tornando-os específicos de uma dada sociedade e ou comunidade.
Nos anos cinquenta, Fidjinha, uma rapariga da Boa Vista a viver em São Vicente, a despeito de ter tido alguns namorados, chega aos 40 anos virgem e casa-se com Nhô Antôn Dóia, um capitão de cabotagem da Boavista, homem dos seus 80 anos. A virgindade, o "capacete", aos 40 anos é caso raro na sociedade cabo-verdiana, que é muito erotizada, mesmo nessa época dos anos de 1950.
No contentamento e na ânsia do casamento, Fidjinha pede ao marido para lhe tirar o “capacete” de 40 anos – Oi, ôme, Nhô Antôn Dóia, / bocê tró-m esse capacete, /capacete de 40 óne. Sabida a estória, isso torna-se motivo de dichote em São Vicente e é posto na bóca de viola, que é como quem diz, “tirado” em cantiga, que logo faz sucesso.
Retomando o fio à meada. Aos 40 anos, a mulher tem um novo rito de passagem, que é o da sua transição para a meia-idade.
Se no rito de passagem da juventude, perder a virgindade é tirar o cabaço, o capacete ou os “três-vinténs”, como sói dizer-se, colocar na cabeça o capacete, um instrumento de poder usado por homens numa dada sociedade e numa determinada época, é uma forma simbólica de manifestar a conquista do seu poder e da sua liberdade.
O capacete é, assim, pois, um símbolo do poder usado por homens de que a mulher se apropria aos 40 anos legitimando-o como seu, ser dona da sua própria cabeça, da sua própria vontade. Filhos criados, estabilidade financeira, viúvas, divorciadas, casadas ou separadas, sem estarem subjugadas aos pais, irmãos ou maridos, a vida (re)começa aos 40, dizem elas!
Apesar dos entraves impostos pelo poder patriarcal, as mulheres, inteligentes, imaginativas e “empoderadas”, sempre arranjaram uma forma de se organizar e manifestar a sua insubordinação perante a opressão manifestando-se de forma simbólica e subtil.
Explica-se assim a praxe da colocação do capacete de 40 óne pelo dia de aniversário como sendo um rito de passagem que se pode integrar na interpretação simbólica da apropriação do poder pela mulher.
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Senhor Alipio, sou bisneto do Adérito Sena, neto d...
Olá Brito Semedo. Também apresento m/condolências ...
Bom dia,Apraz-me realçar que li, atentamente, o te...
As letras da cantiga popular citada não são anedota e não saíram da imaginação de um dos compositores que nos deliciavam com as suas descobertas tão brejeiras (v.g. Ti Goi e Frank Cavaquim).
Figjinha (operária na Fábrica de Tabacos) e de Nhô Antón Doia que foi capitão de cabotagem. Ambos eram da ilha da Boavista mas viviam no Mindelo e ali se encontraram. Se ela tinha entrado nos quarenta ele não atingia ainda os oitenta, razão pela qual a noticia provocou reola ou brincadeira, nomeadamente, nos arredores da Praça Estrela e da Rua de Praia de Bote.
Se recordar é viver, ganhei hoje uns aninhos razoáveis.
Obrigado ao Manel de Xanda