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Da Sala de Aula para o Mundo

Brito-Semedo, 7 Fev 25

 

Da Sala de Aula para Mundo.jpg

 

 

Homenagem ao Cónego António Manuel da Costa Teixeira

(Santo Antão, 1866 – 1919)

 

 

No seu "Plano Estratégico da Educação e Ensino Superior 2022-2026 – Agenda Reformadora do Sistema Educativo, do Ensino Superior e da Ciência, para a Aproximação e Convergência com Modelos dos países da OCDE", Cabo Verde expressa uma ambição clara de transformar o seu sistema educativo, alinhando-o com os padrões das nações mais desenvolvidas, especialmente com os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).

 

Esta visão reflecte uma ambição significativa de posicionar a educação cabo-verdiana não só ao nível local, mas também num contexto global, com o objectivo de capacitar os alunos para um mercado de trabalho globalizado e altamente competitivo. Essa ambição de "da sala de aula para o mundo" implica, portanto, uma integração internacional, com um foco claro na inovação, na qualidade do ensino e na competitividade global.

 

No entanto, surge uma questão pertinente: será este alinhamento com os países da OCDE, conhecidos pela sua liderança em áreas como inovação tecnológica, investigação e qualidade educativa, uma meta realista para Cabo Verde? Embora a aspiração a um sistema educativo de alta qualidade seja legítima, a realidade socio-económica e os desafios enfrentados por Cabo Verde, como parte da comunidade dos SIDS (Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento), exigem uma reflexão mais aprofundada. Os SIDS partilham desafios comuns, como a insularidade, a vulnerabilidade às mudanças climáticas e uma limitada diversificação económica, factores que colocam os países insulares numa posição delicada quando se trata de implementar reformas profundas e sustentáveis.

 

Nos países da OCDE, a diversificação económica, que abrange sectores como a indústria, a tecnologia, os serviços e a manufactura, proporciona uma base sólida para a inovação, pesquisa e um sistema educativo de excelência. Esses países são apoiados por recursos financeiros substanciais, infraestruturas robustas e sistemas educacionais bem estabelecidos, o que lhes permite implementar reformas de grande escala com maior facilidade. A diversidade dos seus sectores contribui para uma maior estabilidade económica, promovendo o desenvolvimento contínuo e a adaptação a novas exigências globais.

 

Cabo Verde enfrenta uma realidade económica limitada dependente de sectores como o turismo, a pesca e a agricultura. Esta dependência reflecte-se na sua estrutura económica onde o sector dos serviços domina, representando cerca de 72% do PIB, segundo o Banco Mundial. Dentro deste panorama, o turismo destaca-se como a principal actividade, contribuindo com aproximadamente 25% do PIB, enquanto a agricultura e a pesca, conjuntamente, representam apenas cerca de 7%.

 

Esta concentração económica torna os SIDS especialmente susceptíveis a choques externos, como crises financeiras, desastres naturais e pandemias globais, incluindo a COVID-19. Tais eventos afectam profundamente sectores estratégicos, com o turismo a destacar-se como um dos mais prejudicados, evidenciando a vulnerabilidade de economias excessivamente dependentes.

 

A pandemia, em particular, trouxe à tona esta fragilidade, ao paralisar o turismo e comprometer gravemente a sustentabilidade das economias insulares. Cabo Verde, tal como outros países insulares, viu-se com a paralisia do turismo, resultando em consequências económicas e sociais graves. Este cenário evidencia a vulnerabilidade dos SIDS e coloca em questão a viabilidade de reformas educativas que dependem de uma base económica sólida e diversificada. A educação, para ser eficaz, precisa de estar ancorada numa economia que seja resiliente e capaz de sustentar os investimentos necessários para garantir uma educação de qualidade.

 

Ao alinhar-se com os padrões internacionais da OCDE, Cabo Verde deve reconhecer as suas limitações e os desafios específicos de um pequeno estado insular. A educação nos SIDS não pode limitar-se a replicar modelos globais de excelência; é fundamental adoptar uma abordagem que integre as melhores práticas internacionais com as particularidades locais, garantindo que as soluções educativas sejam ajustadas ao contexto nacional.

 

Preservar a qualidade do ensino exige uma estratégia que responda às necessidades concretas da sociedade cabo-verdiana. Isso inclui assegurar uma educação inclusiva e acessível para todos, independentemente da localização ou da condição socio-económica dos alunos, ao mesmo tempo que se promove o desenvolvimento de sectores estratégicos para a sustentabilidade a longo prazo, como as energias renováveis, a tecnologia e a inovação.

 

O sucesso da educação em Cabo Verde pode residir, portanto, na capacidade de equilibrar as suas ambições globais com a sua realidade específica como um pequeno estado insular. O caminho para uma educação de qualidade e uma inserção internacional bem-sucedida não passa apenas pela adaptação destes modelos às condições e desafios locais, mas também pela capacidade de equilibrar a excelência educacional com a sustentabilidade económica e social. A ambição de Cabo Verde "da sala de aula para o mundo" deve ser mais do que uma inspiração; deve ser uma estratégia pragmática que permita ao país crescer e prosperar de forma resiliente e adaptada ao seu contexto.

 

Na evolução do desenvolvimento socio-económico de Cabo Verde, três momentos de destaque marcam a sua ligação à economia global. O primeiro, nos séculos XV e XVI, foi protagonizado pelas caravelas e naus, que transformaram a Ribeira Grande de Santiago num ponto estratégico nas rotas marítimas transatlânticas. O segundo, entre o final do século XIX e o início do século XX, coincidiu com o advento dos navios a vapor, consolidando o Porto Grande de São Vicente como um eixo central no comércio marítimo internacional. Por fim, a partir da década de 1940, o transporte aéreo conferiu ao aeroporto dos Espargos, na ilha do Sal, um papel crucial na conectividade global.

 

Estes episódios históricos sublinham a capacidade de Cabo Verde de se posicionar como um elo de ligação ao mundo, um desafio que permanece actual. No século XXI, a globalização e a economia do conhecimento exigem que o país vá além da infraestrutura física, integrando tecnologia, decisões baseadas em evidências e estratégias que priorizem o desenvolvimento humano. O futuro depende de um sistema educativo que combine excelência, inovação e adequação às especificidades do país, promovendo não só o progresso económico, mas também a sustentabilidade ambiental e a inclusão social.

 

Cabo Verde, agora com cinquenta anos de independência, enfrenta o desafio de transformar as experiências acumuladas e a juventude da sua população numa vantagem competitiva. Investir na educação e na formação é essencial para preparar os cidadãos para uma economia global interconectada, onde a tecnologia e a inovação são determinantes. Inspirar-se nos padrões internacionais, sem ignorar as particularidades locais, será o equilíbrio necessário para transformar a ambição de "da sala de aula para o mundo" numa realidade tangível e sustentável.

 

Manuel Brito-Semedo

 

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