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Na altura em que se comemora o 25.º aniversário da Constituição da Liberdade, da Liberdade de Expressão e da Liberdade de Imprensa, a Esquina do Tempo evoca os 175 anos da criação da imprensa em Cabo Verde (Boa Vista, 24.Agosto.1842) e os 140 anos do Independente, o primeiro jornal cabo-verdiano (Praia, 01.Outubro.1877).

 

A primeira tipografia foi trazida para Cabo Verde em 1842, tendo começado a funcionar nesse mesmo ano a Imprensa Nacional de Cabo-Verde e Guiné. A introdução da imprensa no arquipélago, tal como nas outras províncias ultramarinas, foi uma consequência do Decreto de 7 de Dezembro de 1836, do ministro da Marinha e do Ultramar, Marquês Sá da Bandeira, que mandava publicar boletins oficiais nas províncias ultramarinas para o que era, portanto, necessário tipógrafos locais ou idos da Metrópole (José Gonçalves, 1966).

 

À excepção do Estado da Índia (1837), a tipografia só foi instalada nos outros territórios ultramarinos depois de Cabo Verde: Luanda, em 1845; Macau e Timor, em 1846; Ilha de Moçambique, em 1854; São Tomé, em 1857; e Bolama (Guiné), em 1879.

 

O advento da imprensa periódica em Cabo Verde é assinalado com a publicação, na ilha da Boa Vista, do número I do Boletim Official do Governo Geral de Cabo-Verde, posto a circular na quarta-feira, 24 de Agosto de 1842, sendo então Governador Geral o Brigadeiro Francisco de Paula Bastos (1842-1845). Na "Parte não Official" (p. 4) do Boletim podiam ler-se as seguintes palavras:

  

Raiou felizmente para esta Provincia uma nova era de ilustração; o Governo de SUA MAGESTADE sempre sollicito pelo bem dos subditos da mesma Augusta Senhora [Rainha D. Maria II] não podia por mais tempo consentir que continuasse a ignorancia, em que o povo de Cabo-Verde se achava engolfado. Já agora temos entre nós a Imprensa, este grande vehiculo das luzes e da sciencia; [...] parabens, pois, ó Cabo-Verdianos! Livres pela civilização dos nossos irmãos da Europa, vós ides dever a vossa civilização á Liberdade, que a não ser ella, ainda hoje se não teriam rasgado as densas nuvens do obscurantismo que ennegreciam esta Provincia.

 

Este boletim oficial viria a servir a Província de Cabo Verde e o Distrito da Guiné até 1879, ficando, a partir dessa data, em virtude da desanexação daquela região do governo de Cabo Verde, exclusivamente ao serviço do Arquipélago, com o nome de Boletim Official do Governo da Província de Cabo-Verde.

 

Apesar de todos os constrangimentos, estavam criadas as condições para o surgimento da imprensa não oficial em Cabo Verde: (i) havia a tipografia, (ii) um público leitor com uma certa instrução e (iii) uma elite letrada e culta, capaz de escrever para jornais e revistas, se os houvesse. Contudo, por razões que não foi possível identificar, o aparecimento de jornais não oficiais só viria a acontecer trinta e cinco anos mais tarde, em 1877.

 

Falta uma publicação literária e periódica

 

Inicialmente e na falta de um periódico não oficial publicado nas Ilhas, os primeiros poetas e prosadores cabo-verdianos começaram a exprimir-se através do Boletim Official – secção Interior, “Parte não Official”, que incluía notícias diversas, anúncios particulares, crónicas, poesia e ficção, esta, em forma de folhetim – e, mais tarde, passaram a expressar-se através do anuário Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro (Lisboa, 1851-1932). José Lopes, em 1952 explica o porquê disso: “nós não tínhamos onde publicar nossas produções senão naquele festejado anuário”.

 

Num dos seus apontamentos sobre a frequência da Biblioteca Nacional, fundada na Praia em 1871, Guilherme da Cunha Dantas escrevia o seguinte:

 

De todas as possessões portuguesas, duma certa classe, é Cabo Verde a única que ainda não possui uma publicação literária e periódica [...]. O Boletim, pelo exíguo do seu formato, pela sua mesma índole, não comporta nem longos e sucessivos artigos, nem dissertações sobre todas as matérias, nem artigos de recreio para o público, tais como romances, folhetins, etc. Ora, tudo isto se poderia reunir numa publicaçãozinha mensal”.

 

Efectivamente, em Moçambique tinham sido editados nove jornais, Angola três e São Tomé e Príncipe um, pelo que Hypolito Olympio da Costa (18?? – 1920?) lamentava, em artigo publicado em 1871 no Boletim Official: “E esta provincia sem imprensa política ainda que a inunde de sua luz civilizadora!”

 

Finalmente, a 1 de Outubro de 1877, um ano antes do fim oficial da escravatura, aparece na Cidade da Praia o Independente (1877-1889), “jornal politico litterario e commercial, dedicado aos interesses da provincia de Cabo Verde”, que teria sido fundado por Guilherme da Cunha Dantas (Brava, 1849 – 1888) e Joaquim Maria Augusto Barreto (Santiago, 1854 – 1878). Do primeiro, João Martins (1891) diz que escreveu “artigos com que fulminou [...] tantos preconceitos, tantos ridiculos e tantas ostentações”; e ao último, refere-se como “este valente manejador da satyra” (op. cit., p. 228).

 

Liberdade que vai, liberdade que vem…

 

Até antes do estabelecimento da República (1910) as dificuldades existentes seriam tantas que, na opinião de Eugénio Tavares (1913), parecia ser proibida a publicação de outra folha pública que não fosse o Boletim Official.

 

Com a mudança de regime e, na sua decorrência, com a efectiva liberdade de imprensa, passa-se para um período de proliferação de periódicos, o que viria proporcionar a que houvesse um aumento de jornais sem precedentes – O Recreio (1911) e A Fénix Renascida (1911-1913), em São Nicolau; A Voz de Cabo Verde (1911-1919), O Independente (1912-1913) e O Progresso (1912-1913), na Praia; O Mindelense (1913), em São Vicente; A Tribuna (1913-1914), na Brava; O Futuro de Cabo Verde (1913-1916), na Praia; A Defesa (1913-1915), no Fogo; O Popular (1914-1915), em São Vicente; O Caboverdeano (1918-1919), na Praia; Cabo Verde (1920-1921), em São Vicente; A Seiva (1921), A Acção (1921-1922) e A Verdade (1922), na Praia; e O Manduco (1923-1924), no Fogo.

 

Com a instauração da Ditadura Militar em Portugal (1926-1933) há uma recessão da imprensa periódica devido às limitações de liberdade de expressão impostas pela Lei de João Belo. Foram editados nesta fase apenas três periódicos – Hespérides (1927?), na Praia; Notícias de Cabo Verde (1931-1962) e Alma Arsinária (1932), em São Vicente – tendo desaparecido todos os demais do período anterior.

 

O regime ditatorial do Estado Novo (1933-1974) vai abolir a pouca liberdade de expressão existente e substituir a Lei de João Belo pelo Decreto-Lei N.º 22:469, que “entra imediatamente em vigor”, tendo sido primeiramente aplicado ao Notícias de Cabo Verde (São Vicente, 1931-1962), então o único periódico publicado na Colónia.

 

A partir de Outubro de 1933, essa restrição de liberdade de expressão foi “extensiva à imprensa periódica que se publica na capital da colónia [e] em qualquer outra localidade [...] a ser exercida pelo administrador do respectivo concelho, efectivo ou substituto, e nas suas faltas ou impedimentos pelo comandante do Corpo de Polícia Civil”.

 

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Chegada a independência, encerrou-se o único jornal que circulava nas ilhas, O Arquipélago (Praia, 1962-1974), tendo o Estado criado A Voz di Povo (Praia, 1975-1992), que veiculou a ideologia do Partido-Estado. À Igreja Católica foi tolerada a publicação do jornal Terra Nova (São Vicente, Abril de 1975-…). O Sector Autónomo da Praia do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) criou o jornal Tribuna (Praia, 1984-1990) e, nos finais de oitenta, surgiu Noticias (São Vicente, 1987-1993).

 

Com o advento da democracia e com a liberdade de expressão e da imprensa, há uma diversidade de jornais. Surgiram A Semana (Praia, 1991-2016), próximo do PAICV; Agaviva (São Vicente, 1991-1992), Novo Jornal de Cabo Verde (Praia, 1992-1998), jornal do Estado; Correio Quinze (Praia, 1994-1997); O País (Praia, 1995-1996); O Cidadão (São Vicente, 1998), Horizonte (Praia, 1998-2007), pondo fim à presença do Estado na imprensa escrita, e Expresso das Ilhas (Praia, 2001-…), próximo do Movimento para Democracia (MpD).

 

Presentemente, o país tem apenas dois semanários a circular, O Expresso das Ilhas, com uma nova orientação desde Agosto de 2010, e A Nação, criado em 2007 – o último número impresso de A Semana saiu em Dezembro de 2016 – e um jornal mensário, Terra Nova. Esta é uma situação que não favorece a democracia e a pluralidade de opinião.

 

– Manuel Brito-Semedo

 

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3 comentários

De Domingos Andrade a 26.10.2021 às 20:09

Arquivo importante ao nível de referência histórica da impressa no nosso arquipélago, ao qual agradeço a partilha.
Gostaria se possível, ser elucidado das não menções:  jornal Arte letra, ou referência das revistas (claridade, presença, etc.) ...

De Brito-Semedo a 01.11.2021 às 20:13

Estimado Domingos Andrade,
Muito obrigado por se ter encostado à Esquina do Tempo e pelo comentário deixado.
Na verdade, a listagem é de jornais periódicos e não de revistas literárias. Para além dos títulos mencionados, haveria outras, omitidos pela mesma razão, Grato.

De Anónimo a 05.11.2021 às 09:10

Fico agradecido com a sua resposta.
Estamos no exercício de tentar construir, um Timeline sobre a evolução de como a informação iniciou a chegar aos Caboverdianos, onde enquadra a imprensa escrita, o rádio, a televisão e mais recentemente os medias digitais.
Encostar na esquina foi de grande  auxilio. 
Acreditando que se necessitar de outros auxílios poderei contar com os préstimos do professor.
Atenciosamente
Domingos Andrade

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