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Esquina do tempo por Brito-Semedo © 2010 - 2015 ♦ Design de Teresa Alves
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Magazine Cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010
Brito-Semedo, 31 Mar 16
O autor de O Escravo, o primeiro romance de temática cabo-verdiana, publicado em 1856, é, no mínimo, uma figura intrigante, já que a sua vida e obra são pouco ou nada conhecidos. Senão, vejamos em meia dúzia de notas aqui alinhavadas:
1. José Evaristo d’Almeida é português reinol cujas origens e data de nascimento e morte continuam sendo desconhecidas. Sabe-se que foi escrivão, funcionário da Fazenda, colocado em Cabo Verde, segundo João Nobre de Oliveira, pelo menos desde 1 de Julho de 1844, data da sua nomeação como Oficial da Contadoria Geral de Cabo Verde. Em 1849 foi eleito deputado por Cabo Verde às cortes de Lisboa. Constituiu família e deixou descendência na ilha Brava. Colocado na Guiné, viria ali a falecer (conferir A Imprensa Cabo-verdiana, 1998).
Segundo Turíbio Hamilton Pinheiro, um bravense a viver em Portugal, "para além dos dois descendentes de José Evaristo d’Almeida, citados nos dados biográficos fornecidos a página 9 de O Escravo, edição de 1989 [Silvestre Pinheiro Faria, falecido em 1993, e Amiro Pinheiro Faria, mais Maria Faria Brito (Professora Biá) e Vicente Pinheiro Faria, falecido em 2013, trinetos], encontram-se, felizmente, por esse mundo fora, muitos descendentes desta interessante figura que passou por Cabo Verde. Uns, em Cabo Verde, mas a maioria, nos Estados Unidos da América" (conferir o blogue Esquina do Tempo, de Brito-Semedo, Outubro de 2013).
2. Das suas actividades de literato tem-se também informações escassas. Sabe-se que Evaristo d’Almeida foi redactor do Boletim Official do Governo Geral de Cabo-Verde (fundado em 1842), com colaboração na secção Interior, “Parte não Official”, que incluía notícias diversas, anúncios particulares, crónicas, poesia e ficção, esta, em forma de folhetim.
Em Feverereiro de 1852 José Evaristo d’Almeida editou em Lisboa uma brochura de oito páginas, na verdade, um longo poema de 223 versos, Epístola a ***, no qual faz referências e comentários sobre a sua vivência em Cabo Verde:
…………………………………….
Tres lustros só contava, e já da Patria
Os benefícios ar's me não sorriam;
'Nas africanas plagas definhava
A mais bella porção da juventude;
Por constante doença atormentado,
Via, em ocio, decrescer os bellos dias,
Que pudera aproveitar, pulindo o engenho; (v. 31-37)
…………………………………….
Fui ter ao botequim, a caridade
À minha entrada ali também pedia;
Reclamei de café pequena taça,
E, mal os lábios meus tocaram n’elle,
Logo o reconheci como oriundo
D’ilhas de Cabo Verde, onde eu passára
Uns doz’anos de bem custosa vida;
Reconheci-o porque, se não tão forte,
Em aroma e sabor não cede ao moKa.
O café me levou a edeas tristes:
Lembrei-me desse povo meigo e dócil,
A quem, mais d’uma praga, o céu mandara;
Que luta com a peste, a fome e a sêcca;
Que precisa, tem jus à caridade!
El’, que não duvidára, em tempos prosp’ros,
Às rochas marinhar, d’ali tirando,
Com risco de perder a própria vida,
A urzella, mordente valioso,
A qual deu a Nação quanto bastára
Para hoje os livrar de taes flagellos!
A experiencia, porém, lhe tem mostrado
Que em Lysia, a caridade não s’extingue;
E, se um Governo paternal não pode,
pagando a dívida, extinguir os males,
Que pungem, apoquentam, mortificam
Um povo que também de Lysia é filho,
Estão cá muitas almas bem fazentes,
Que ao primo aceno, correm pressurosas,
Ofertando, com gosto, quanto podem,
E mandando-lhe, como já fizeram,
Com que se minore o sofrimento.
Honra lhe seja por acção tão nobre. (v. 121-152)
…………………………………….
As referências do poema colocam Evaristo d’Almeida como tendo chegado a Cabo Verde, não em 1844, conforme Nobre de Oliveira, mas, em 1825, com quinze anos de idade, tendo vivido, portanto, os acontecimentos de 1835, o fundo histórico do romance O Escravo. Sabendo a idade com que terá chegado a Cabo Verde [quinze], mais o tempo cá vivido [doze], fica como data provável do seu nascimento o ano de 1810.
Fonte: Blog Praia de Bote
3. Intriga-me o facto de o anuário Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro, três anos depois de começar a ser publicado em Lisboa, ou seja, em 1854, registar, até o seu término, em 1932, colaboração dos principais letrados de Cabo Verde, de Antónia Gertrudes Pusich, Guilherme da Cunha Dantas e Luís Medina e Vasconcelos a Eugénio de Paula Tavares, José Lopes da Silva e de tantos outros, onde passaram a expressar-se, pelo simples facto de que “nós não tínhamos onde publicar nossas produções senão naquele festejado anuário”, segundo José Lopes (conferir "Os Esquecidos", Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 35, Praia, Agosto de 1952) e nele não haver nenhuma colaboração de Evaristo d’Almeida.
4. Intriga-me ainda saber que, sem produção literária significativa, para além dos pequenos textos publicados no Boletim Official, Evaristo d’Almeida dá à estampa, em 1856, o romance O Escravo, uma obra marcante, fundadora da ficção e da literatura cabo-verdiana. Nesse género, só onze anos mais tarde voltaria a haver uma nova obra de ficção, Contos Singelos (Mafra, 1857), de Guilherme da Cunha Dantas, contendo os contos ‘Cenas da Ilha Brava’ e ‘Cenas de Mafra’.
5. Intriga-me mais ainda o facto de, depois desta obra, O Escravo, nunca mais se ter encontrado nada que Evaristo d’Almeida tivesse dado à estampa, nem mesmo no Almanach Luso-Africano de 1895 ou de 1899. Teria José Evaristo d’Almeida morrido nos finais de oitocentos, no século XIX, portanto, e não nos inícios de novecentos, no século XX, como se tem aventado até então? A meu ver, é o mais provável.
Amiro Pinheiro Faria, numa conversa telefónica de 29.Março.2016, lançou novas luzes sobre a morte do trisavô. Transferido de Cabo Verde para a Guiné, Evaristo d’Almeida viria ali a morrer seis meses depois, eventualmente em 1856 ou 1857, e, no mesmo dia, a esposa Emília Clementina Marques, vítimas da biliosa – uma forma de paludismo muito frequente nessas regiões – confirmando, assim, que Evaristo d’Almeida teria morrido ainda novo, provavelmente com 46/47 anos.
O tetraneto Luís António Martins Pinheiro de Faria, a viver nos Estados Unidos da América, em nota de 01.Abril.2016, informou que Evaristo d'Almeida teve uma filha, Maria da Penha Almeida, que se casou na Brava com Júlio Tolentino Pinheiro do qual nasceram 4 filhos: dois rapazes e duas meninas. Não há muitos descendentes, uma vez que as netas não se casaram. Está ainda viva nos Estados Unidos uma única bisneta, Jovina de Azevedo Pinheiro Araújo, que em Novembro próximo completa 100 anos, ainda de perfeita memória e saúde.
Jovina de Azevedo Pinheiro Araujo, bisneta de Evaristo d'Almeida. Foto gentilmente cedida pelo sobrinho neto Tó Faria
6. Ocorre-me que as dezasseis cartas publicadas no Boletim Official do Governo Geral de Cabo-Verde, secção Interior, “Parte não Official”, nos números 61 a 110, entre Junho de 1844 e Outubro de 1845, reportando-se ao segundo volume da Corographia Cabo-Verdiana, de J. C. C. Chelmichi e F. A. de Vanhargen (Lisboa, 1841), assinadas por Um Sempalhudo, até hoje não identificado, possam ser da autoria de José Evaristo d’Almeida, redactor dessa “Parte não Official”.
Todas essas questões por mim levantadas podem servir de hipóteses de estudo e, eventualmente, trazer novas luzes sobre esse autor para uma melhor compreensão da sua obra.
É também curioso que a edição de O Escravo, saído em Lisboa em 1856, viesse a ser republicado em Cabo Verde no periódico A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919), em formato de folhetim, do número 244 ao número 294, entre Maio de 1916 e Maio de 1917, tivesse ficado esquecido por cinquenta anos e só voltasse a circular em formato de livro passados mais vinte anos, ou seja, só em 1989. De há uns anos a esta parte, O Escravo, cuja edição se esgotou, desapareceu da circulação.
Hoje, graças ao Pedro Cardoso Livraria, num verdadeiro serviço público, O Escravo volta ao convívio dos leitores, agora enriquecido com um excelente prefácio da Professora Fátima Fernandes, Doutora em Letras/Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. O nosso bem-haja!
Nota: O texto saído no Jornal Expresso das Ilhas
O Escravo
José Evaristo de Almeida
Pedro Cardoso Livraria
Praia, 2016
– Manuel Brito-Semedo
Esquecer!? Ninguém esquece…
Suspende fragmentos na câmara escura, que se revelam à luz da lembrança...
Olá Brito Semedo. Também apresento m/condolências ...
Bom dia,Apraz-me realçar que li, atentamente, o te...
Boa-noite. Que eu saiba, as crónicas do Nhô Djunga...
Braça,
Djac