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Guilherme Dantas, Memórias e Contos

Brito-Semedo, 15 Mar 16

  

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Nhô José Pedro ou Cenas da Ilha Brava

  

“Cenas da Ilha Brava” e “Cenas de Mafra” constituem o livro Contos Singelos, editado em Mafra, Portugal, em 1867, quando Dantas tinha apenas dezoito anos de idade.

 

Tendo o romance O Escravo, de José Evaristo de Almeida, funcionário português radicado em Cabo Verde, publicado em Lisboa em 1856, sido a primeira obra relativa à sociedade das Ilhas[i], é, por isso, considerada obra fundadora da ficção cabo-verdiana; e tendo Contos Singelos, de Guilherme Dantas, sido a segunda obra, publicada em Mafra em 1867, considera-se o seu autor, pertencente a esse período da fundação da literatura cabo-verdiana de ficção.

 

Neste seu texto de iniciação, ou "conto singelo", como o próprio autor modestamente o classificou, Guilherme Dantas explica o leitmotiv da sua escrita – "levado das saudosas reminiscências da terra natal [...] procurar verter para o papel ideias que tanta impressão produzem em minha alma".

 

Este conto é de uma estrutura simples, de apenas duas partes, com várias secções ou planos de cenas. A primeira parte, "Mocidade de José Pedro" cujos acontecimentos se situam em 1827, está dividida em doze secções e ocupa-se da chegada e do estabelecimento do brasileiro António Pedro Sousa à povoação de Santana, do nascimento, da mocidade e da tríplice orfandade de José Pedro Sousa, a personagem-herói. A segunda parte, "Júlia", dividida em onze secções, sendo a última o epílogo, situa-se vinte anos mais tarde, isto é, em 1847, e centra-se em Júlia, a linda filha de José Pedro, motivo da cobiça e dos instintos malévolos de Ricardo Galvão. A história atinge o seu ponto alto na narração da noite de 13 de Junho, dia da Festa de Santo António, em 1860, com o rapto de Júlia e com o castigo e a morte do vilão, causador da maior parte das infelicidades da ilha.

 

As várias cenas do conto e da vivência da ilha, localizadas nas povoações do interior, de Pé-da-Rocha e de Santana, e nas do porto, da Furna e da Fajã de Água, são "pintadas" e descritas poeticamente, com destaque especial para a festa popular de Santo António nessa ilha.

 

 

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Mestre Malaquias Costa

 

 

Apesar dos seus 90 anos de idade, nhô Amancinho ainda se encontrava suficientemente rijo para cuidar de si. Pequeno e magro, só as costas um pouco dobradas e as pernas já menos expeditas denunciavam a sua bonita idade. Dispensava ajuda nas suas lidas diárias, e ele próprio confeccionava as suas morigeradas refeições. Morava num cutelo, habitando uma casinha da grande propriedade agrícola onde durante largos anos foi o feitor, muito bem considerado pelo dono e sua família. Foi pelo seu merecimento que lhe outorgaram o direito de viver ali até ao fim dos seus dias. Naquela zona do interior do Paul, ilha de Santo Antão, o habitat humano era disperso, como o era na generalidade da ilha, com as pequenas casinhas rurais salientando-se no meio das meradas[1] talhadas nos socalcos das encostas. Como vizinhança mais próxima, nhô Amancinho tinha a nha Clarisse e a sua filha, de nome Joana. Volta e meia, uma ou outra apareciam por lá para saber se estava tudo bem com ele, e sempre que calhava levavam-lhe uns pequenos mimos, como um pouco de cuscuz, uma batata-doce assada, uma canequinha de mel de cana, ou mesmo um caldinho quente acabado de fazer. Nessas alturas, trocavam sempre dois dedos de conversa e o tema era invariavelmente a família, o estado do tempo ou as lembranças dos tempos antigos. Nhô Amancinho habituara-se há muitos anos a viver em solidão, depois da morte da sua companheira e mãe dos seus dois filhos, um que morreu ainda rapaz e outro, o Mário, que vivia actualmente na Praia.

 

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